Levantamento do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no DF (Sinduscon), obtido em primeira mão pelo Correio, aponta que o valor do aço, do cimento e do concreto tem oscilado bastante no Distrito Federal, mês a mês, há um ano. O comportamento instável nos custos dos insumos da construção vinha desde 2020. Entre setembro daquele ano e março de 2021, o bloco cerâmico dobrou de preço, e o aço ficou 47% mais caro. Materiais de PVC subiram 42%, o cimento teve crescimento de 25% nos custos, e o cabo de cobre encareceu 21%. As variações fazem parte do cálculo do Custo Unitário Básico da Construção no DF (CUB), medido pelo sindicato.
R$ 40 mil. Esse é o valor que o advogado José Servo, 48 anos, precisou desembolsar a mais na reforma do apartamento onde mora, na Asa Sul. “Os preços subiram bastante, de seis meses para cá, quando começamos a reforma. Os materiais básicos, como cimento e argamassa, compramos antes. Agora, estamos na parte do acabamento, que está bem complicada”, reclama. A esposa de José, Alessandra, está grávida, e o casal está adaptando a casa para a chegada do bebê. “Se não fosse a gravidez, com certeza, este não seria um bom momento para reformar”, admite o advogado, que percebeu aumento expressivo nos preços dos materiais, principalmente os feitos de metal.
O valor excedente investido por José foi o mesmo que Fernanda França, 38, teve de gastar a mais. No segundo semestre do ano passado, a servidora pública reformou dois ambientes do apartamento onde mora, no Park Sul. O custo de R$ 80 mil, inicialmente calculado por ela, acabou se transformando em R$ 120 mil. “Os preços aumentavam toda semana, estava terrível. Os vendedores me falavam: ‘é melhor comprar logo, vai subir na semana que vem, porque está em falta no mercado’. Foi desesperador”, lembra. Fernanda observou a inflação em produtos básicos, como tinta e gesso, e em itens de marcenaria e iluminação. Fernanda ainda vai reformar os demais cômodos do apartamento. “Nada está barato. Não sei como vai ser, mas acredito que tudo continua caro. Entro pessimista, porque sei que vou gastar muito”, conforma-se. “Talvez, eu não consiga fazer tudo de uma vez, vai ter de ser por etapas. Primeiro a cozinha, depois os quartos”, planeja a servidora.
Dionyzio Klavdianos, presidente do Sinduscon, afirma que as flutuações, apesar de constantes, têm seguido um padrão. “De forma geral, em alguns meses percebemos pequenas quedas e, em outros, aumentos maiores. Outro aspecto é um certo comportamento errático entre eles. Enquanto o aço apresentou certa estabilidade neste ano, o cimento aumentou demais”, pondera. O presidente cita o caminho percorrido pelas matérias-primas até a chegada na capital do país. “O frete impacta bastante, pois a construção civil de Brasília, essencialmente, traz de fora o que consome no canteiro, e de praças longínquas. A oscilação brusca do dólar impacta também, já que materiais essenciais para o construtor, como ferro, cobre e PVC, são commodities”, detalha o empresário.
Lojistas
Na outra ponta, a situação de encarecimento não é diferente. Dono da JW Ferragens, em Ceilândia Sul, Jorge Willian conta que os valores estão em alta desde 2020. “Eu vendia o fio elétrico (rolo com 100m) por R$ 89. Hoje, não sai por menos de R$ 250. Uma lata de thinner era vendida por R$ 12. Agora, esse é o preço que eu compro do fornecedor. Repasso ao cliente por R$ 19,90”, exemplifica. O lojista enumera outros itens que sofreram sucessivos aumentos. “Canos, conexões, chuveiros e derivados de petróleo também estão caros. (Os valores) começaram a subir com a pandemia e, com a guerra (entre Rússia e Ucrânia), cresceram mais ainda”, analisa Jorge.
A avaliação do comerciante é reforçada por Roberto Bocaccio Piscitelli, professor do departamento de ciências contábeis da Universidade de Brasília (UnB). O docente explica que a alta dos preços teve início com a emergência sanitária, em 2020, por conta da supressão dos canais de intermediação entre os países, movimento chamado por ele de “reversão do processo de globalização”. “Antes, as cadeias produtivas eram muito integradas. Na pandemia — e, agora, com a guerra, já que Rússia e Ucrânia são grandes produtoras de itens essenciais — houve uma espécie de esfacelamento desses processos. Isso justifica parte da dificuldade do suprimento de matérias-primas. As economias estão se fechando mais. Mesmo quando os insumos são produzidos em abundância, os países, como mecanismo de proteção, estão deixando de comercializar os excessos. Do ponto de vista dos mercados, a situação está muito mais hermética”, expõe o professor.
Embora global, a situação ganha, na realidade brasileira, contornos específicos, que elevam ainda mais os custos dos produtos. Entre esses fatores, Roberto Piscitelli destaca a inflação, a queda do nível de renda da população, o crescimento frequente das taxas de juros, o desemprego em alta e o acirramento do grau de endividamento das pessoas. A incerteza que assola os brasileiros é sentida por Lucas Cardoso, gerente comercial de uma loja do segmento no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). “O que mais tem preocupado o setor varejista de construção civil, neste ano, é a inflação. O cliente está assustado com os preços, e essa instabilidade do mercado deixa todo mundo preocupado. A inflação bagunça tudo, é terrível. Não temos previsão de deflação, pelo menos até o início do próximo ano, porque o Brasil está completamente instável”, projeta.
Fôlego
Lucas Cardoso ressalta, porém, que o segmento não está em crise. “A construção civil não está desacelerando, mas os clientes estão mais cautelosos. O índice de vendas à vista, neste ano, está maior, em relação a 2019, 2020 e 2021. Quem tem verba, paga logo, para evitar imprevistos, como aumento de juros”, comenta Lucas, que destaca aço, ferro, cimento e argamassa entre os produtos com maior encarecimento. “O cobre, comparado com 2020, está entre 70% e 80% mais caro”, exemplifica.
A percepção do gerente quanto ao momento positivo do setor é confirmada pela quantidade de empregos gerados. Em maio de 2020, 51 mil pessoas trabalhavam na construção civil do DF, quantidade que subiu para 78 mil um ano depois. A última pesquisa da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) sobre o cenário laboral da capital do país mostrou que 74 mil indivíduos estavam empregados no segmento em maio de 2022. “Essa pequena queda no número entre os meses de maio de 2021 e maio de 2022 está ligada, provavelmente, a ciclos da construção, como o término de uma etapa que concentra maior número de trabalhadores”, explica Dionyzio Klavdianos, presidente do Sinduscon.
O professor Roberto Piscitelli reforça o bom momento da construção civil. “O aumento das vagas de emprego mostra a expansão do setor, o que comprova que o segmento se aqueceu mais rapidamente do que outros, no pós-pandemia. O crescimento da mão de obra demonstra que a construção civil está sendo demandada”, analisa.
Por Correio Braziliense