A ocorrência de sintomas característicos do Alzheimer, como falta de memória e agressividade, geralmente indica que o paciente não está mais em uma fase inicial da doença. Criar abordagens que ajudem a descobrir precocemente esse processo neurodegenerativo é, na avaliação de cientistas e de outros profissionais da área, essencial para desenvolver mecanismos capazes de freá-lo. Pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, apostam que um exame de sangue poderá fornecer essa informação estratégica.
Em um artigo publicado na revista Brain, eles mostram como biomarcadores no sangue indicam a ocorrência de alterações patológicas precoces em uma forma hereditária da doença. Os pesquisadores perceberam mudanças na proteína glial fibrilar ácida (GFAP) aproximadamente 10 anos antes do surgimento dos primeiros sintomas de Alzheimer.
“Elas foram seguidas por concentrações aumentadas de P-tau181 (proteína tau) e, posteriormente, NfL (proteína leve de neurofilamento), que, já sabemos, estão diretamente associadas à extensão do dano neuronal no cérebro de Alzheimer”, detalha Caroline Graff, uma das autoras do estudo e professora do Departamento de Neurobiologia, Ciências e Sociedade do Cuidado do instituto sueco.
Para chegar ao resultado, o grupo analisou 164 amostras de plasma sanguíneo de 33 pessoas com uma mutação que aumenta a vulnerabilidade ao Alzheimer e 42 parentes sem a predisposição patogênica herdada. Os dados foram coletados entre 1994 e 2018, e a análise indicou “mudanças claras” de várias concentrações de proteínas sanguíneas nos portadores da mutação uma década antes do surgimento dos sintomas.
Na avaliação da equipe, os resultados são promissores para o desenvolvimento de novas abordagens contra a doença. “No futuro, os resultados do estudo poderão ser usados como um biomarcador não invasivo para a ativação precoce de células imunes, como astrócitos no sistema nervoso central, o que poderá ser valioso para o desenvolvimento de novos medicamentos e para o diagnóstico de doenças cognitivas”, indica Charlotte Johansson, integrante do grupo de pesquisadores.
Silencioso
O Alzheimer é o tipo mais comum de demência — dados da Fundação Sueca do Cérebro mostram que corresponde de 60% a 70% dos casos — e começa se desenvolvendo de forma silenciosa. De acordo com os autores do artigo, as mudanças biológicas no cérebro começam de 20 a 25 anos antes que a perda de memória e outros sintomas cognitivos se tornem evidentes.
As células nervosas da região degeneram como resultado do acúmulo anormal das proteínas beta-amiloide e tau. À medida que mais neurônios cerebrais são danificados, isso se manifesta na disfunção das funções cognitivas, como memória e fala, explicam os cientistas. Quanto mais cedo a complicação for descoberta, maiores a chances de enfrentá-la. “Essa é uma das muitas razões pelas quais são necessárias mais pesquisas sobre métodos precisos e fáceis de diagnóstico precoce”, ressaltam, em nota.
Cura
Especialista em neurologia cognitiva e do comportamento, Carlos Enrique Uribe afirma que a estratégia de procurar marcadores e sinais que antecipam os riscos de uma pessoa ter Alzheimer mobiliza cientistas há muitos anos. No caso do trabalho sueco divulgado na última edição da Brain, o ineditismo está em a investigação ter “afetado” diretamente a doença.
Para Uribe, esse pode ser um caminho para estratégias que curem a doença. “Ao tentar encontrar a origem do problema, é possível mudar a história natural dele. Essa estratégia funciona para se chegar a um procedimento que seja de cura, mudando o mecanismo fisiopatológico da doença. Na medicina, chamamos isso de tratamentos modificadores da doença, e isso ainda não existia no Alzheimer”, diz.
Uribe faz ressalvas. Ele lembra que o estudo analisou pacientes com Alzheimer ligado a fatores genéticos. “Como não é o caso mais comum, esses resultados têm que ser avaliados com cuidado, porque a doença geneticamente determinada está sendo um modelo para o estudo da doença esporádica (sem fatores hereditários). Às vezes, as coisas não funcionam com essa relação direta”, explica.
Análise ampliada
O especialista em neurologia cognitiva e síndromes demenciais Arthur Jatobá conta que alguns biomarcadores para o diagnóstico precoce do Alzheimer estão disponíveis, mas não para a população geral. “O diagnóstico hoje, para a maioria dos pacientes, é feito por avaliação clínica, neuropsicológica e realização de exames de imagem cerebral (ressonância magnética de crânio)”, diz.
A expectativa do médico é de que, no futuro, esse tipo de análise seja mais acessível e abranja diversos indicadores biológicos de risco aumentado. “Acredito que, nos próximos anos, poderemos ter um exame de sangue com um painel de vários biomarcadores para a doença de Alzheimer, como a proteína beta amiloide, a tau, a GFAP e a NfL. Isso vai nos ajudar no diagnóstico precoce da doença”, diz.
Ainda mais vulneráveis
“O interessante dessa metodologia de usar pessoas com Alzheimer geneticamente determinada é que elas apresentam um risco muito maior de desenvolver os sintomas. Por isso, muitos estudos da área são realizados nesse tipo de população. Você sabe que o problema vai acontecer. Então, você monitora, identifica qual foi o marcador e pensa em uma intervenção que pode mudar esse desfecho. Por isso, os resultados são importantes.”
Carlos Enrique Uribe, especialista em neurologia cognitiva e do comportamento
Os estágios
O quadro clínico dos estágios da doença de Alzheimer é dividido em quatro estágios, segundo o Ministério da Saúde. No primeiro, costuma haver alterações na memória, na personalidade e nas habilidades visuais e espaciais. No segundo, dificuldade para falar, realizar tarefas simples, coordenar movimentos, agitação e insônia. Depois, resistência à execução de tarefas diárias, incontinência urinária e fecal, dificuldade para comer e deficiência motora progressiva. Por fim, mutismo, dor à deglutição e infecções intercorrentes.
Correio Braziliense