Um grupo de pais de vítimas, amigos e moradores da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, está ameaçando processar a Netflix após o lançamento de Todo Dia a Mesma Noite, adaptação em série da tragédia da Boate Kiss, ocorrida em janeiro de 2013. Comentários de indignação apontam que a gigante do streaming está explorando financeiramente a dor de várias pessoas e estão direcionando o lucro apenas para financiadores e produtores.
A mobilização teve início recente no WhatsApp e não inclui integrantes da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria. Apesar disso, os organizadores entraram em contato com a advogada Juliane Muller Korb para averiguar os fatos e entender quais os planos da empresa por trás do projeto que configura como um dos mais assistidos na plataforma.
Revoltados, os familiares pensam em abordar questões como responsabilidade afetiva e social para questionar o destino do lucro arrecadado. No momento, o sentimento comum sobre Todo Dia a Mesma Noite é de injustiça, visto que os reclamantes creem que o dinheiro deveria ser oferecido como forma de apoio ao tratamento físico e psicológico de sobreviventes e para a construção de memoriais para as vítimas.
“Nós fomos pegos de surpresa, ninguém nos avisou, ninguém nos pediu permissão. Nós queremos saber quem está lucrando com isso. Não admitimos que ninguém ganhe dinheiro em cima da nossa dor e das mortes dos nossos filhos. Queremos entender quem autorizou, quem foi avisado, porque muitos de nós não fomos”, afirma o empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes, pai de Évelin Costa Lopes, vítima do incêndio com apenas 19 anos. “Há pais passando mal por causa da série. O mínimo que exigimos agora é que uma parte do lucro seja repassado para tratamento de sobreviventes e para a construção do memorial da Kiss. Nós não queremos nenhum dinheiro para nós.”
Série dramática gerou incômodo
Segundo Korb, as famílias estão profundamente magoadas com a impunidade e com o poder judiciário, e tiverem essas sensações amplificadas com o lançamento da série. Não houve contato com os pais ou qualquer iniciativa, por parte da Netflix, que demonstrasse sensibilidade à tragédia. Com isso, houve um impacto maior especialmente pelo projeto simular todo o sofrimento, dando vida às vítimas por meio de atores diferentes e perspectivas visuais.
De acordo com a advogada, os familiares não esperavam uma dramatização, mas algo mais jornalístico, como um documentário — o que foi feito pelo Globoplay. “Eles estão ‘acostumados’ com o pós-tragédia. E a série mostra o antes, então, é como se ocorresse de novo. É uma linha muito tênue entre ficção e realidade”, conclui a representante.
Os próximos passos incluem uma tentativa de diálogo com a Netflix e um esclarecimento sobre o destino dos lucros. Como muitos pais teriam voltado para a terapia por conta do material, uma ação por danos morais não está descartada e mais atualizações serão compartilhadas nos próximos dias. A plataforma de streaming não se manifestou sobre o caso.
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