Cuidar dos dentes e da gengiva pode oferecer benefícios muito além de um sorriso agradável, como melhorar a saúde do cérebro. Essa foi a descoberta apontada por uma pesquisa que será apresentada pela American Stroke Association na Conferência Internacional sobre AVC, na próxima semana, nos Estados Unidos. A hipótese levantada pelos pesquisadores é de que adultos geneticamente propensos a desenvolverem problemas de saúde bucal podem estar mais vulneráveis a mostrar sinais de declínio cerebral. Assim, ações simples de higienização bucal levariam a melhorias significativas para as funcionalidades do órgão e prevenir doenças cerebrovasculares.
Cyprien Rivier, autor do estudo e pós-doutorado em neurologia na escola de medicina da Universidade de Yale, nos EUA, explica que o objetivo dos testes preliminares era observar como a má saúde bucal geneticamente determinada pode levar a piores perfis de saúde cerebral analisados por ressonância magnética. Para isso, entre 2014 e 2021, os pesquisadores analisaram 41 mil adultos sem histórico de acidente vascular cerebral (AVC), que foram rastreados para 105 variantes genéticas associadas à predisposição a cáries e perda dentária.
A análise primária dos exames de imagem indicou que o risco geneticamente aumentado de má saúde bucal foi associado a uma maior possibilidade de doença cerebrovascular, representada por um aumento de 24% na quantidade de hiperintensidades na substância branca do cérebro, definidas como danos acumulados que podem prejudicar a memória, o equilíbrio e a mobilidade. Os exames também revelaram aumento do dano microestrutural, que é o grau em que a fina arquitetura do cérebro muda em comparação a imagens de um adulto saudável de idade semelhante.
A equipe constatou, ainda, que pessoas sem predisposição genética para problemas na boca, mas que apresentam uma má saúde bucal também são mais vulneráveis ao declínio da saúde cerebral. Para Cyprien Rivier, o processo inflamatório na região pode explicar o fenômeno. “Uma hipótese é que a má saúde bucal, acompanhada de inflamação na boca, leva à liberação de mediadores inflamatórios na corrente sanguínea que podem causar inflamação sistêmica e afetar a saúde do cérebro”, afirma.
“Essa natureza infecto-inflamatória das doenças bucais é a chave para a relação com doenças cardiovasculares, como o AVC. E isso pode acontecer de forma direta ou indireta”, diz Elisa Grillo Araújo, mestre e doutoranda em odontologia na Universidade de Brasília (UnB). Na forma direta, segundo a especialista, as bactérias relacionadas às doenças periodontais alcançam a corrente sanguínea e vão parar em sítios distantes da boca. “Já a forma indireta está justamente relacionada aos mediadores inflamatórios, que são a chave para desencadear outras doenças no restante do organismo”, completa.
Menos nutrientes
Sérgio Braga, mestre em periodontia pela Universidade Guarulhos e doutor em microbiologia e imunologia pela Unicamp e Université Laval (Canadá), detalha como se dá essa disseminação de riscos pelo resto do corpo. “O sangue que corre pela gengiva é o mesmo que vai percorrer o coração, todos os vasos e chegar ao cérebro e a diversas outras partes do corpo”, diz. De acordo com o especialista, as doenças periodontais, caracterizadas pela inflamação dos tecidos que suportam os dentes, também podem diminuir o fornecimento de nutrientes que chegam ao cérebro.
Braga explica, ainda, que o simples processo infeccioso da gengiva, mesmo que as bactérias não entrem na corrente sanguínea, faz com que o fígado produza proteína C reativa (PCR), que leva a formação de trombos nos vasos sanguíneos, podendo desencadear um AVC.
Rivier lembra que, com os resultados obtidos, ainda não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre saúde bucal e cerebral. Segundo o pesquisador, são necessárias mais investigações para confirmar o fenômeno. “Nosso estudo é preliminar e, embora sugira que melhorar a saúde bucal pode levar a benefícios para a saúde do cérebro, não podemos afirmar isso com certeza”, enfatiza. “Podemos apenas supor que melhorar a saúde bucal, reduzindo a inflamação oral e, portanto, a inflamação sistêmica, pode reduzir o declínio da saúde cerebral.”
Busca por evidências mais fortes
“Existe uma dificuldade em se mostrar uma relação de causa e efeito entre doenças bucais e doenças sistêmicas. Então, os cientistas procuraram analisar marcadores genéticos para poder ter mais confiança nesses resultados. Até então, a gente tem muitos estudos que mostram uma associação, só que uma associação não necessariamente envolve uma relação de causa e efeito, que é um dos grandes desafios da medicina periodontal. Essa área estuda a relação entre doenças ligadas à periodontite e as que acometem o restante do organismo. Assim, esses marcadores genéticos estão sendo usados para que a gente possa ter mais elementos que mostrem essa relação de causa e efeito.”
Elisa Grillo Araújo, mestre e doutoranda em odontologia na Universidade de Brasília (UnB)
Fonte: Correio