Até o fim de 2022, o Ministério da Saúde registrou cerca de 1.500 pacientes com atrofia muscular espinhal (AME) no Brasil. Rara e degenerativa, a doença gera a perda de neurônios motores da medula espinhal e do tronco cerebral, resultando em fraqueza muscular e atrofia. Isso acontece devido a um problema genético que impede a produção de uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover.
Principal causa genética de morte em bebês, os sintomas da AME podem ser identificados pelos pais ao longo dos primeiros meses. Se não tratada, os músculos tornam-se fracos, eventualmente levando à morte até os dois anos de idade. De acordo com especialistas, o acesso à triagem neonatal é fundamental para otimizar o tratamento e permitir o desenvolvimento motor de crianças, especialmente para aquelas que ainda são diagnosticadas antes dos primeiros sintomas.
A doença, que atinge um a cada 10 mil nascidos vivos no Brasil, exige atenção. Mario Marchesi, diretor de terapias gênicas da Novartis Brasil, explica que a maioria dos casos de AME (aproximadamente 60%) é do tipo 1, o mais grave, com sintomas que aparecem nos primeiros seis meses de vida. Para ele, as maiores dificuldades estão atreladas ao diagnóstico precoce, acesso à medicação adequada e incorporação de tecnologias nos sistemas de saúde.
“O diagnóstico precoce para doenças raras ainda é um desafio. No Brasil, há cerca de 13 milhões de pacientes com doenças raras e 30% deles morrem antes dos 5 anos de idade. Sabe-se que 80% das doenças raras decorrem de fatores hereditários, resultando em atraso no diagnóstico e, consequentemente, afetando a eficácia do tratamento”, explica.
No que diz respeito ao diagnóstico, o teste do pezinho, presente no Sistema Único de Saúde (SUS), conta, hoje, com o rastreio de sete doenças. Em 2021, a Lei Nº 14.154/21 aprimorou o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), prevendo a inclusão da AME, mas apenas em suas fases finais. No Distrito Federal e em Minas Gerais, o diagnóstico já foi inserido no rol do exame realizado nos recém-nascidos. O avanço foi celebrado, mas ainda é fundamental a atualização nos demais estados brasileiros.
Tratamento que salva vidas
Fátima Braga, presidente da Associação Brasileira de Amiotrofia Espinhal (ABRAME), possui um filho com AME. “Uma experiência profundamente desafiadora e emocional”, destaca. “O impacto na vida da família é significativo, tanto no aspecto emocional quanto na necessidade de cuidados e suporte contínuos. Meu filho, Lucas, tem a forma mais grave, a AME tipo 1. Convivemos com ela há quase 23 anos”, conta.
Na avaliação de Fátima, a discussão de políticas públicas adequadas é fundamental nessa esfera. “Elas podem garantir que tratamentos e medicamentos necessários sejam acessíveis e disponíveis, incluindo a cobertura de custos por meio de sistemas de saúde pública ou seguros”, exemplifica.
É o caso de uma terapia gênica aprovada para o tratamento da AME em bebês até dois anos de idade. Em 2022, foi assinado um protocolo de intenções entre a Novartis e o Ministério da Saúde para a elaboração de um Acordo de Compartilhamento de Risco para a oferta da terapia no SUS.
Na proposta, o pagamento total do tratamento está vinculado ao desempenho do medicamento em cada paciente individualmente, ou seja, o pagamento só será realizado completamente caso desfechos clínicos específicos sejam atingidos. Neste momento, aguarda-se o retorno do Ministério da Saúde para dar prosseguimento à assinatura.
Edmar Zanoteli, professor associado do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, avalia que o maior desafio no cuidado com a doença diz respeito ao acesso ao tratamento. Para ele, é fundamental que a terapia gênica esteja no SUS. “Essa terapia, além de ser eficaz, tem a característica de ser administrada em dose única, o que facilita muito a vida dos pacientes e familiares”, comenta.
Fonte: Correio Braziliense