Mais de 247 mil brasileiros fizeram uso regular do crack nos últimos seis meses, diz Fiocruz. Dependentes do DF que buscam tratamento alegam falta de vagas na rede pública; Saúde nega situação.
Dependente do crack há mais de 20 anos, foi ainda na adolescência que Fábio Campos viu a vida se transformar. Ele, que trabalhava como motorista, experimentou a droga pela primeira vez na casa de um primo, aos 18 anos.
“Eu não usava, nunca tinha nem visto. Uma turminha usava, eu inventei de experimentar e até hoje. Eu sofro muito, o dependente sofre.”
Assim como ocorre com tantos outros dependentes do crack – uma das drogas mais consumidas no Distrito Federal – o vício teve um efeito devastador na vida desse brasiliense, hoje com 39 anos. Fábio perdeu o emprego, o contato com as duas filhas e há pelo menos sete anos vive nas ruas de Brasília.
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Para manter o vício, Fábio chegou a roubar a própria mãe.Ele contou que é dependente múltiplo – de álcool e crack – e decidiu buscar ajuda quando retomou as lembranças do dia em que tirou todos os móveis de casa para trocar por droga.
“Comecei a morar na rua a partir do momento que eu estava envolvido demais no crack. Já cheguei a alugar um carro de mudança e tirar tudo de dentro de casa. E hoje eu sofro muito na rua.”
Durante quase uma semana, em junho, o motorista ficou acampado na porta do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps Ad), na região central de Brasília – uma das principais áreas de consumo de drogas da capital do país.
Segundo Fábio, ele conseguiu fazer o cadastro na instituição de saúde, mas não teriam vagas para começar o tratamento contra o crack.
“Hoje, estamos na frente do Caps, do Distrito Federal, do Plano Piloto, do centro de Brasília […] Não tem telefone, aqui não tem internet; se a gente vai fazer uma ficha, é no papel, numa folha.”
Questionada sobre a alegação de ausência de vagas, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal afirmou em nota que “não há falta de vagas nos Caps”. A pasta explicou que o atendimento ocorre por agenda aberta, ou seja, “o paciente chega, é acolhido e atendido”.
O ex-motorista não aguardava sozinho por uma vaga no atendimento no Caps. Ele estava acompanhado de outro morador de rua, Rhadson Alves, também dependente do crack.
Viciado há 16 anos, Rhadson está nas ruas da capital federal há pelo menos cinco. Ele é natural de Minas Gerais e decidiu buscar ajuda médica para se tratar. Mas também afirma ainda não ter encontrado uma vaga para o atendimento em Brasília.
Aos 34 anos, ex-consultor de vendas, Rhadson diz que pede esmola nas ruas para manter o vício, mas não nega já ter furtado para conseguir dinheiro.
Ele contou que havia fumado uma pedra de crack pouco antes da entrevista. Disse ainda sentir a adrenalina tomar conta do corpo, e os batimentos cardíacos acelerarem a cada uso – sensação que se repete desde a primeira vez que fez uso da pedra, afirma.
“É uma droga que, como o efeito é rápido, o consumo é maior. E como você está querendo fumar, o seu desejo de comer passa. É uma droga suja, que você se suja para consumir”. Ele conclui:
“A dependência do crack é cruel, ela judia, ela machuca.”
Rhadson e Fábio compartilham os sonhos de como seria a vida além das ruas e das drogas. Fábio, que conhece bem o tratamento dado a um depende em instituições de ajuda, gostaria de abrir uma casa de recuperação para tratar a doença.
“O meu sonho hoje é conseguir me tratar e ajudar as pessoas que estão no mesmo sentido que eu estou hoje”.
Já Rhadson se vê ao lado da família, com filhos, o vício superado, mas sem esquecer tudo o que tem passado.
“O lugar do crack vai ser na minha cabeça. Não vou esquecer dele. Da mesma forma que me fez mal, me fez bem. Me machucou e me machuca até hoje. […] Tenho que lembrar o que ele fez comigo.”