Caro leitor, imagine um personagem que nasceu e cresceu em uma pequena cidade do interior, com cerca de 2.500 habitantes, e que lá estudou em uma escola pública em tempo integral, que teve três professores com curso superior, oriundos de uma prestigiosa Universidade e muito bem pagos. Esse personagem chamava-se William Shakespeare e eram os anos de 1560, como nos conta José Roberto de Castro Neves em seu livro “Shakespeare e os Beatles: O caminho do gênio”. Sim, na Inglaterra do século XVI o ensino de alta qualidade já era uma realidade. Estima-se que na Londres de 1600 mais de 60% da população era alfabetizada e frequentava os teatros que tornariam nosso personagem famoso.
O poder crescente da Inglaterra do século XVI refletia então o poder de seu sistema educacional, que havia sido reformulado pela Reforma Anglicana e lançava as bases da revolução industrial burguesa, que viria a transformar a Inglaterra no maior império que o mundo já viu. Na mesma época, o Brasil era uma colônia de Portugal, que apenas na metade do século começaria a ser realmente povoada, com um sistema educacional considerado sombrio, fastidioso e prolixo, que excluía os escravos, os pobres e as mulheres. Segundo relatos da época era “um extraordinário desperdício de tempo”.
Esse enorme fosso entre o ensino dos ingleses e aquele praticado na colônia brasileira foi diminuído de forma considerável nos mais de 400 anos que nos separam daquela época, mas muitas diferenças permanecem. Apesar dos esforços das últimas décadas é inegável que o acesso de negros e pobres à educação ainda é desigual, que ainda há importantes diferenças de tratamento entre homens e mulheres, que os professores são mal remunerados e desvalorizados e que a qualidade de nosso ensino deixa muito a desejar, especialmente nos primeiros anos da educação de nossas crianças e jovens, justamente o período mais importante da sua formação.
Darcy Ribeiro dizia que a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto. Concordemos o não com ele, o fato é que precisamos de um verdadeiro projeto nacional para tirar a educação brasileira da crise em que se encontra há décadas. Não é uma crise de agora, muito pelo contrário. Richard Feynman, ganhador do Nobel de Física e um dos mais importantes cientistas do século XX lecionou no Brasil por alguns anos, na década de 50. Em sua autobiografia ele criticou o ensino no Brasil por ser baseado na memorização pura e simples, sem estimular o raciocínio científico ou a observação empírica. Ele achava os alunos inteligentes e interessados, mas com imensas dificuldades em conectar a teoria que aprendiam e a realidade que enxergavam.
Esse novo projeto de educação só pode dar certo se envolver municípios, estados e o governo federal, com a participação efetiva de docentes, pais e alunos, um projeto de longo prazo que precisa começar pela real valorização dos professores e pela retenção no País dos nossos cientistas. Eliane da Costa Bruini, colaboradora do Brasil Escola, lembra-nos que a qualidade da educação está fortemente aliada à qualidade da formação dos professores – os daquele Shakespeare criança do interior vieram todos da Universidade de Cambridge! Se um professor aprendeu apenas decorando é isso que ele vai ensinar aos seus alunos, pois não é a escola que faz o professor, são os professores e seus alunos que fazem a escola, com o auxílio dos pais.
*Economista, especialista em Desenvolvimento Local e Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental.