Sufocamentos, queimaduras e quedas aparecem entre as situações mais comuns. Especialistas alertam para o uso de mecanismos de segurança.
A mortalidade infantil em larga escala por doenças infecciosas ficou restrita à década de 1980 na capital federal. Acidentes domésticos são hoje a principal causa de morte de crianças de até 9 anos. Sufocamentos são responsáveis por 40% dos óbitos, segundo o Ministério da Saúde. Afogamentos (26%), queimaduras (14%) e quedas (7%) completam a lista do que mais acomete essa faixa etária no país. As principais vítimas são os menores de 1 ano — a curiosidade e a negligência se mostram como os principais estímulos para tragédias, segundo especialistas. Na última quinta-feira, um menino de 5 anos não resistiu ao ter a cabeça atingida por uma bancada de ardósia em uma escola de Sobradinho (leia na página 20).
Nove crianças precisaram de internação no Hospital de Base do DF até a metade de abril, vítimas de traumas relacionados a quedas e perfurações. A Secretaria de Saúde contabilizou, em 2015, 340 casos de queimaduras nesse grupo, sendo que 74 necessitaram de atendimento intensivo. Neste ano, são 24 situações. O Centro de Informações Toxicológicas (CIT) notificou, entre janeiro de 2015 e abril deste ano, outros 417 intoxicações na capital federal — 42% dos registros total. O Corpo de Bombeiros não sabe precisar quantos socorros por afogamento houve no período. Entretanto, a Secretaria de Saúde registrou atendimentos do tipo nos hospitais regionais de Sobradinho, Taguatinga, Samambaia e Ceilândia.
Mesmo que as crianças apresentem um nível de habilidades psicomotoras acima da média para a idade, não se engane: a casa é um universo suscetível a grandes perigos, e qualquer descuido pode ser fatal. Até mesmo ambientes projetados especificamente para os pequenos, como playgrounds e áreas de recreação, abrem precedente para traumas e lesões. Os brinquedos não ficam fora da lista de alerta. Todos os anos, produtos infantis são responsáveis por uma grande parcela de danos. Dos relatos feitos ao Sistema Inmetro de Monitoramento de Acidentes de Consumo (Sinmac), em 2015, 27% se referiram a esse tipo de problema.
A empresária Mônica Moura Martins Weiler, 30 anos, e o marido, Arthur Wagner Weiler, 39, pais de quatro filhos, prenderam o fôlego há dois anos, quando Maria Eduarda, 8, caiu de uma rede de balanço. À primeira vista, a brincadeira parecia inofensiva. Mas o tombo rendeu, além de dois pontos na cabeça da menina, ensinamentos para a educação dos demais. “Ensinar e monitorar são melhores que remediar. Não crio os meus filhos numa bolha, mas tenho muitos cuidados”, explica.
Na casa da moradora de Águas Claras, material de limpeza e medicamentos ficam na parte alta do armário; o acesso à cozinha é restrito; os banhos de piscina e as brincadeiras ao ar livre ocorrem sob monitoramento de um adulto; e tomadas são totalmente isoladas. “As crianças são tranquilas, mas é preciso entender os níveis de risco da casa. Encher a casa de plástico bolha não vai resolver, mas também haver um relaxamento completo não é saudável”, avalia a empresária, ao descartar, por exemplo, protetores de mesa.
Precaução
Para Mário Fratini, chefe da Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), 90% das situações poderiam ser evitadas. “Não existe acidente, mas, sim, negligência. Mesmo assim, a resposta é mais favorável em crianças que nos adultos. Elas se recuperam mais rapidamente. É um tratamento doloroso. Além disso, prolongado. É um processo de cicatrização lenta. Há pacientes que são acompanhados há mais de 20 anos e têm de fazer intervenções reparadoras”, ressalta. Cerca de 35% das internações do setor são de crianças abaixo de 6 anos.
Existem alguns fatores de risco, como uso álcool e drogas, baixo nível socioeconômico, habitações precárias e família excessivamente numerosa. Gabriela Guida de Freitas, coordenadora nacional da ONG Criança Segura Brasil, acredita em educação para a segurança a fim de prevenir acidentes. “Investir em políticas públicas e em educação demora mais tempo para ter resultado, porque depende da mudança do comportamento das pessoas, mas é preciso”, avalia.
Os casos de intoxicação mantêm um padrão e têm uma continuidade na capital federal. Os atendimentos relacionados aos pequenos representam 50% do volume de trabalho do Centro de Informações Toxicológicas (CIT) da Secretaria de Saúde. Situações que envolvem crianças de até 4 anos são as mais frequentes. Medicamentos (41%) e animais peçonhentos (25%) centralizam os casos. “A gravidade da intoxicação na criança tem relação com os agentes, a quantidade e o tempo de socorro. Normalmente, os pais só percebem o acidente depois de virem frascos abertos ou marcas na roupa. Durante as férias e em fins de semana, são mais comuns os acidentes”, explica Sandra Márcia da Silva, uma das coordenadoras do órgão.
“Duas coisas são essenciais para se ter um equilíbrio: a primeira é a supervisão. Criança é curiosa e não tem noção de perigo. Não é tolir, mas manter um ambiente seguro. A segunda é adquirir mecanismos de segurança, como telas de janelas, grades e protetores de ralos em piscinas, bloqueadores de tomadas, entre outros itens, são alternativas viáveis e seguras”, ressalta Gabriela.