Com três anos e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem o mandato recordista em uso da AGU (Advocacia-Geral da União) para tentar resolver entraves da sua gestão no STF (Supremo Tribunal Federal) em comparação com seus antecessores.
Sob Bolsonaro, o órgão responsável pela representação jurídica do governo já se iguala, em ações assinadas pelo presidente, ao número de vezes que o ex-presidente Lula (PT) acionou o Supremo em seus oito anos de gestão. Prevista na Constituição de 1988, a AGU foi implantada em 1993.
Crítico do Judiciário e na mira de investigações no STF, Bolsonaro tem usado essas ações tanto para solucionar conflitos de Estado como para reforçar posicionamentos ideológicos e bandeiras políticas.
Até junho deste ano, segundo dados do setor de estatísticas do STF, Bolsonaro havia ingressado com 17 ações no tribunal sob representação da AGU, contra 7 casos de Lula no primeiro mandato e outras 10 ações no segundo mandato.
O atual presidente ultrapassa, com sobra, as gestões de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com 4 representações, de Dilma Rousseff (PT), que utilizou 10 vezes a AGU, e as 2 vezes que o órgão foi utilizado no mandato tampão de Michel Temer (MDB).
Bolsonaro não acionou o STF em seu primeiro ano de governo, mas a partir de 2020 passou a ajuizar ações no Supremo para questionar medidas como o bloqueio de perfis em redes sociais e decisões de governos estaduais e municipais para conter a transmissão da Covid-19, temas que fazem parte da sua agenda ideológica.
O uso intensivo do órgão já causou conflitos internos e, em 2020, resultou no pedido de demissão do então advogado-geral da União, José Levi.
À época, Levi não assinou uma ação contra decretos que determinavam restrições de serviços não essenciais devido à pandemia. Dias depois, ele pediu demissão do cargo e foi substituído por André Mendonça, que hoje é ministro do Supremo.
Atualmente, o advogado-geral da União é Bruno Bianco, que foi secretário-executivo do Ministério do Trabalho.
Nos últimos meses, com a aproximação das eleições, o presidente ajuizou ações a respeito do ICMS sobre os combustíveis para tentar evitar que altas no preço da gasolina e do diesel afetem a sua campanha à reeleição.
Procurada, a AGU diz que o presidente da República é legitimado pela Constituição para promover ações sobre a constitucionalidade de leis e atos normativos e que essa representação é realizada pelo órgão.
Além de fazer a defesa de Bolsonaro nesses casos, a AGU também representa Bolsonaro nas investigações relacionadas ao mandatário no Supremo.
Por exemplo: o inquérito das fake news, o da suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e o do vazamento de informações da apuração sigilosa sobre o ataque hacker ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A AGU também atua em situações controversas. Na Justiça Federal de Brasília, por exemplo, o presidente e Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí, são defendidos em conjunto por advogados da União em uma ação de improbidade administrativa.
A ação foi aberta com base em reportagem da Folha que, em 2018, revelou a suspeita de Wal do Açaí ser funcionária fantasma do antigo gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
O Ministério Público Federal diz que a representação do órgão, nesse caso, é irregular, porque o caso é de suspeita de prejuízo aos cofres públicos e a AGU deve fazer a defesa de atos praticados no interesse público, no exercício de suas atribuições.
Na maioria dos casos dos antecessores de Bolsonaro, os questionamentos da AGU eram relativos a normas que entravam em conflito com a Constituição ou buscavam obter o aval da corte para decisões presidenciais.
Em 2001, por exemplo, FHC buscou do Supremo a validade da chamada “medida provisória do apagão”. Gilmar Mendes, atual decano do STF, era o advogado-geral da União.
Lula questionou leis estaduais que dispunham sobre pesca, brigou com cartórios que se recusavam a oferecer certidões gratuitas com a União e até entrou com uma ação contra lei de Itatiba (SP) que previa o desligamento de semáforos durante a noite.
Em parte dessas ações de Lula, a AGU estava sob o comando de Dias Toffoli, que também virou ministro da corte suprema.
Já Dilma Rousseff usou a AGU para acionar o Supremo não só em ações de controle de constitucionalidade, mas também de decisões relacionadas à crise do seu segundo mandato.
Ela ajuizou uma ação contra decisão de Gilmar Mendes que impediu a posse de Lula como chefe da Casa Civil, após o então juiz Sergio Moro liberar a divulgação de um grampo telefônico de uma conversa entre os dois.
Temer, por sua vez, solicitou à corte a possibilidade de liberar estradas bloqueadas durante a greve dos caminhoneiros.
Para as pesquisadoras da FGV Direito SP Eloísa Machado de Almeida e Luíza Pavan Ferraro, que fizeram um levantamento sobre os primeiros dois anos da AGU sob Bolsonaro, o órgão assumiu na atual gestão um papel diferente das administrações anteriores.
O órgão, afirmam, faz, atualmente, “uma defesa ampla de todos os atos, quando não uma defesa personalíssima do presidente, isto é, a defesa dos chamados atos parainstitucionais, como postagens em redes sociais, discursos e entrevista”.
Isso, na visão das pesquisadoras, extrapola as funções do órgão. “Infelizmente, a Advocacia-Geral da União não se comportou como uma instância de controle técnico-jurídico dos atos do presidente da República. Muito pelo contrário”, diz Eloísa Machado.
“A Advocacia-Geral da União corroborou medidas inaceitáveis vindas do presidente da República, como por exemplo o endosso ao uso de cloroquina na pandemia, além de assumir a defesa particular de pessoas investigadas por atos de improbidade, como a Wal do Açaí”, afirma.
AGU DIZ ATUAR COM ANÁLISES TÉCNICAS E JURÍDICAS
Procurada, a AGU afirma que o presidente buscou a tutela do STF em diversas ações “para fazer valer regras que compõem o arcabouço institucional da chefia do Poder Executivo, impugnando decisões do Congresso Nacional que, segundo a visão do Executivo Federal, desrespeitaram as regras orçamentárias da CF [Constituição Federal], repercutindo, de alguma forma, nas prerrogativas presidenciais”.
Ainda afirma que a representação judicial de agentes públicos em ações e inquéritos “tem por fundamento o artigo 22 da Lei n. 9.028/95, norma que confere segurança jurídica aos servidores de todas as esferas de poder, para que sua autonomia decisória e funcional não fique cerceada por demandas infundadas”.
“Toda atuação da AGU, nesta matéria, é precedida da elaboração de análise técnico-jurídica, ocasião em que se avalia a presença dos requisitos legais, a exemplo da identificação de interesse público e pertinência do questionamento com as funções do cargo ou função.”
Por Jornal de Brasília