Distante do arco por onde avança a degradação da floresta e com todas as terras indígenas demarcadas, o Amapá é o estado brasileiro da Amazônia Legal com os menores índices de derrubada irregular de árvores e focos de incêndios, de acordo com relatórios do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do MapBiomas.
Também o estado de menor extensão territorial do bioma amazônico, o Amapá tem um ecossistema peculiar. Ele inclui a foz do rio Amazonas, uma parte do cerrado, manguezais e integra um sistema recifal recém-descoberto e único no planeta, chamado de corais da Amazônia.
No entanto, a pobreza, a atrofia dos órgãos indigenistas e ambientais e a pressão de interesses econômicos –problemas comuns a toda a Amazônia– não permitem que o estado seja considerado um modelo para os demais.
Impactos gerados por hidrelétricas e contaminação de mercúrio em rios usados por indígenas estão no centro das questões ambientais e sociais do estado. Há denúncias, por parte do Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Amapá, de danos gerados pela construção das usinas de Cachoeira Caldeirão, Ferreira Gomes e Coaracy Nunes, na bacia do rio Araguari, o principal do estado.
O padre Sisto Magro, que faz parte da coordenação colegiada da Pastoral da Terra do Amapá e vive há 32 anos no estado, lamenta que as obras, além de não impedirem a crise energética, não garantiram nem luz nas comunidades atingidas pelas barragens. Em 2020, o Amapá passou por um apagão de 22 dias.
“Muitas pessoas tiveram de vender suas propriedades. A gente que convive com elas sabe que estão passando fome. O Judiciário não faz sua parte para as compensações devidas”, afirma o padre Sisto.
Moroni Pascale, 60, professor e coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens do Amapá relata que a reprodução de peixes foi afetada, roças foram alagadas e famílias que viviam da agricultura e da produção de farinha perderam suas atividades.
Moroni e o padre Sisto destacam que a alteração no fenômeno natural chamado pororoca –impacto causado pelo encontro de águas fluviais e oceânicas– se intensificou após a construção das hidrelétricas.
O rio Araguari, que antes desaguava no Atlântico, passou a ter a sua foz no rio Amazonas. O caso é considerado um dos maiores acidentes ambientais do Amapá.
No caminho do novo curso do rio, moradores de comunidades do arquipélago do Bailique sofrem com riscos de desmoronamento. Até o momento não há pesquisas que apontem a responsabilidade das hidrelétricas.
“Sempre foi uma calamidade para as terras de várzea amapaenses. [Antes] tinha as criações de búfalos [que interferem no fenômeno das terras caídas], muitas pertencentes a famílias de políticos. As hidrelétricas vieram dar o golpe final. O rio não tem mais força”, afirma o padre Sisto.
Com o recuo do Araguari, que mudou de curso, o oceano tem avançado mais para a costa do Amapá, criando outro tipo de problema no rio Amazonas. Cerca de 14 mil moradores do arquipélago do Bailique, enfrentam ainda a salinização das águas, que causa falta de água potável e deixa o açaí com gosto salgado.
Os chamados corais da Amazônia, outro ponto de preocupação ambiental no estado, foram descobertos em 2016 após uma expedição do Greenpeace. Com espécies que ainda nem tiveram a oportunidade de serem estudadas, a formação está na mira da exploração de petróleo.
Por isso, após o achado, o Greenpeace reuniu cerca de 2 milhões de assinaturas para pedir a proteção da região. Em 2018, tramitou uma proposta para tornar o recife uma área de preservação permanente, mas a Câmara dos Deputados barrou.
No mesmo ano, falhas nas propostas para a exploração segura do potencial de petróleo na região fizeram o Ibama negar licença para a empresa francesa Total.
A dificuldade de licenciar os poços levou então a Total a desistir da área e vender suas participações à Petrobras. A estatal, por sua vez, mantém planos de explorar a foz do Amazonas, se conseguir aval dos órgãos ambientais.
Nesta segunda-feira (26), em evento no Rio de Janeiro, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse que “dá para explorar petróleo e garantir a proteção ambiental”.
Outro risco ambiental no Amapá tem origem no garimpo: a contaminação de mercúrio nos peixes consumidos. Em 2020, um estudo apontou níveis superiores ao limite recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 28,7% dos pescados analisados. A pesquisa foi feita em conjunto por entidades como a Fiocruz.
Quatro das sete espécies com as maiores concentrações de mercúrio estavam entre as mais consumidas na região –e o pescado é a única fonte de proteína de comunidades no interior do estado, incluindo as indígenas.
“O Amapá não sofre muito com desmatamento ilegal. A questão do garimpo é a principal ameaça. Não é só o mercúrio, o garimpo traz prostituição, tráfico de armas. É um problema silencioso”, diz Decio Yokota, coordenador de gestão da informação no Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena), uma das organizações que coordenaram o estudo.
Simone Vidal, indígena do povo karipuna, integrante da APOIANP (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará), critica o abandono das políticas públicas para as comunidades, que sofrem pressão de invasores.
Vidal afirma que a vigilância se concentra apenas nas áreas da BR-210, a Perimetral Norte, e no rio Oiapoque, que faz fronteira com a Guiana Francesa.
“São três terras indígenas cortadas por uma BR e um rio que faz a divisa do Brasil com a Guiana Francesa. Os territórios sofrem impactos. Ficam à margem dessa BR, e isso limita a liberdade. O rio é a entrada para garimpos ilegais na Guiana Francesa”, conta.