RIVALDO GOMES/FOLHAPRESS
Para um indivíduo de 30 anos de idade passar dois anos em lockdown, apesar de todo o incômodo, estresse e aumento de problemas físicos e mentais, não representa danos à sua formação em si, pois, afinal de contas, já se tratava de um adulto. Porém, para crianças e adolescentes, um período de 24 meses faz uma enorme diferença em seu desenvolvimento.
Muitos adolescentes de 17 anos só foram conhecer seus colegas de classe há poucos meses, apenas no último ano do ensino médio. Isso pode ser devastador em uma fase em que a interação social é crucial para o desenvolvimento do indivíduo antes de ingressar na vida adulta.
Em termos de saúde mental, esses jovens já estão sendo chamados de “geração sem perspectiva”, pois têm se mostrado tristes, entediados e cronicamente desanimados. A revista médica americana Jama Pediatrics analisou 29 pesquisas feitas com mais de 80 mil jovens de vários países e revelou que os casos de depressão e ansiedade dobraram em comparação com períodos pré-pandemia. Sem sombra de dúvida, o isolamento agravou, e muito, a saúde mental dos adolescentes.
Quanto ao nível de conhecimento, segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, os alunos do ensino médio tiveram o pior desempenho da história em 2021. Dados do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo) dão conta de que 97% dos alunos deixarão a escola com uma defasagem de seis anos no aprendizado. Em matemática, os alunos do 3º ano têm um conhecimento equivalente ao da 7ª série do ensino fundamental. E, em português, quatro em cada dez alunos apresentam nível “abaixo do básico”.
Além disso, há outras questões que ainda não podem ser mensuradas, por exemplo: qual será o impacto na vida de um adolescente que “comemorou” dois aniversários longe de seus amigos? Agora tente imaginar o que isso pode representar para uma criança que tinha 5 anos no início da pandemia e que só poderá reunir seus coleguinhas para celebrar seus 8 anos de idade?
Seria possível avaliar como será a vida de um bebê nascido em 2019 e que passou cerca de dois terços da vida com pouca ou nenhuma interação com pessoas fora da família, com outras crianças e sem frequentar ambientes diversos? Nos estados brasileiros onde o uso da máscara deixou de ser obrigatório, essa criança só começou a ver pessoas sem máscara há menos de 50 dias, e, nas demais localidades onde a obrigatoriedade continua, nem isso.
Segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, o número de óbitos na faixa de 5 a 11 anos foi de 324 crianças, entre março de 2020 até o início de janeiro de 2022, um período de quase 22 meses. Ou seja, em um país com as dimensões e a população do Brasil, são menos de 16 mortes por mês. É óbvio, todas as vidas importam, mas há inúmeras doenças contagiosas mais fatais para crianças e nem por isso jamais houve imposição de isolamento de todas elas, incluindo as saudáveis.
Em contrapartida, o número de acidentes domésticos cresceu mais de 300% durante a pandemia, sendo a principal causa de morte de crianças até 14 anos. Só em 2020, o número de vítimas de acidentes passou dos 39 mil, de acordo com informações do Ministério da Saúde.
O isolamento não distanciou crianças e jovens apenas do convívio social, mas também os afastou dos pais — ocupados com a adaptação ao trabalho remoto — e os mandou diretamente para os seus quartos, onde passaram longas horas sozinhos, em silêncio, diante de telas com pouca ou nenhuma supervisão.
Se para os adultos a experiência beirou um roteiro de ficção científica em que a humanidade despertou depois de dois anos de hibernação, para os mais jovens pode representar um enorme déficit de desenvolvimento, cuja dimensão ainda não se pode avaliar.
Como alguns poucos previram no início de 2020, provavelmente o lockdown entrará para a história como um dos maiores erros da humanidade.
Fonte: R7