A doença inflamatória intestinal (DII) afeta quase sete milhões de indivíduos em todo o mundo e especialistas estipulam que esse número pode aumentar nas próximas décadas. Para entender os fatores de risco que levam ao desenvolvimento da condição, um novo estudo publicado pela revista Gut, em parceria com a Sociedade Britânica de Gastroenterologia explorou o impacto de antibióticos na flora intestinal. Os dados revelam que o uso cumulativo destes medicamentos ao longo da vida elevam os riscos de problemas graves no intestino, como colite ulcerativa e doença de Crohn.
Com dados do Registo Nacional de Prescrições Dinamarquês, a pesquisa acompanhou um grupo populacional de residentes do país entre 2000 e 2018. Mais de 6 milhões de indivíduos com idade igual ou superior a 10 anos e que não haviam sido previamente diagnosticados com DII foram incluídos na amostra e divididos conforme a faixa etária. No total, quase 91% receberam pelo menos um ciclo de antibióticos no período em que as informações foram coletadas. Durante o estudo, houve 36.017 novos casos de colite ulcerativa e 16.881 de doença de Crohn.
No estudo, cada ciclo de antibiótico contribuiu com o tempo de risco de 1 a 5 anos após a exposição. “Incluímos um intervalo para garantir, da melhor maneira possível, que os antibióticos utilizados não fossem para sintomas de doença inflamatória intestinal não diagnosticados”, explica Adam Faye, um dos autores da pesquisa e médico de Saúde da População do Hospital NYU Langone Health, em Nova York.
Observando a incidência de DII no grupo de pesquisa, os cientistas concluíram que esses medicamentos estão associados a uma probabilidade aumentada de desenvolvimento das enfermidades que afetam o intestino: “Levantamos a hipótese de que isso pode ser causado pelas alterações do microbioma intestinal, resultantes do uso de antibióticos”, conclui.
Proteção
Nayara Carvalho, médica gastroenterologista do Hospital Sírio Libanês em Brasília, explica que o desenvolvimento da doença inflamatória intestinal está associado a alguns fatores de risco, como a predisposição genética e a alteração da microbiota, processo que pode ser desencadeado pelo uso de antibióticos: “Quando você está usando um antibiótico, ele faz o papel de destruir bactérias ruins, mas pode acabar destruindo bactérias boas, que protegem o intestino também”, explica. “Essa desorganização na flora bacteriana pode diminuir o fator de proteção do intestino e desregular o sistema imunológico do paciente, contribuindo para o processo inflamatório.”
Segundo os dados coletados, o maior risco de desenvolver DII foi observado após o uso de classes de antibióticos frequentemente prescritos para tratar patógenos gastrointestinais. Bernardo Martins, médico gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia, explica que isso acontece porque as bactérias presentes no intestino agem também como um fator protetor, ajudando na digestão e protegendo contra algumas doenças. “Quando a gente usa um antibiótico que mata as bactérias do trato gastrointestinal, aí o nosso sistema imunológico, que está lá para atacar só fatores agressores, começa a afetar o próprio órgão.”
Autoataque do organismo
“As doenças inflamatórias intestinais (DII) são condições crônicas que acontecem, como o próprio nome diz, com uma inflamação do intestino. O comportamento dessas doenças é muito parecido com o que a gente chama de enfermidades autoimunes, nais quais o organismo começa a agredir algum tecido do próprio corpo. É como se criasse um anticorpo contra ele mesmo, e é isso que vai gerar o processo inflamatório. As DII mais importantes são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Na primeira, a inflamação pode acontecer em qualquer segmento do intestino, mas é mais comum no fim do intestino delgado, que nós chamamos de íleo terminal, e no cólon direito. A retocolite ulcerativa acomete o intestino grosso, que engloba o cólon e o reto.”
Nayara Salgado Carvalho, gastroenterologista do Hospital Sírio Libanês em Brasília
Por Correio Braziliense