A intenção do órgão é fazer com que o DF assuma os passageiros trazidos das cidades vizinhas e deixados logo após a divisa entre as unidades da Federação
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pretende jogar para o Governo do Distrito Federal boa parte da responsabilidade do problemático sistema de transporte coletivo do Entorno. São 40 milhões de usuários por ano que fazem parte de um serviço ruim, oneroso e deficitário. A agência preparou um Plano de Outorga, que prevê intensa participação do transporte público da capital do país. Pela proposta, os ônibus em operação nas cidades vizinhas ao DF pegam os passageiros em Goiás e os largam nos terminais brasilienses mais próximos ao município. Em seguida, os usuários são distribuídos para os seus destinos com os veículos do DF. Dessa forma, acabaria o fluxo até pontos centrais, como a Rodoviária do Plano Piloto. O projeto depende de aval do Ministério dos Transportes.
Embora a proposta de integração pareça atrativa para os coletivos do Entorno, especialistas e entidades apontam que há uma série de questões que precisam ser resolvidas. Uma delas é se o sistema de transporte do Distrito Federal estaria apto para receber essa nova demanda de passageiros. Diariamente, mais de 200 mil pessoas da área metropolitana usam ônibus como meio de locomoção para trabalhar na capital do Brasil.
Para atendê-las, seria preciso reforçar a quantidade de veículos disponíveis, principalmente, em horário de maior fluxo — início da manhã e fim da tarde. Além disso, exigiria-se aditivos nos contratos assinados entre o GDF e as empresas. Os terminais também necessitariam de reforma, com mais baias e conforto para os usuários, como banheiros e espaços para espera. Atualmente, as rodoviárias operam no limite, segundo informações da Secretaria de Mobilidade.
Outro entrave são os subsídios. Parte dos passageiros do Distrito Federal circulam de ônibus com gratuidades, como o passe livre estudantil e o de idoso, custeadas pelo GDF. O que especialistas questionam é se, ao entrarem no sistema do DF, esses usuários passarão a receber também os benefícios. Se a resposta for afirmativa, o pagamento será feito pelo Executivo local, pelos municípios ou pela União? O governo federal alegou que não pode pagar por isso.
Para a Associação dos Municípios Adjacentes de Brasília (Amab), entusiasta do modelo sugerido pela ANTT, os subsídios devem existir e ser custeados pelo Distrito Federal, como propõe a agência. “O subsídio começa quando o passageiro acessar o terminal do DF. Afinal, o Entorno existe por causa de Brasília e, sem a mão de obra que vive nesses municípios, o DF não funcionaria”, defende Hildo do Candango, prefeito de Águas Lindas e presidente da Amab.
A bilhetagem é outra questão a ser resolvida. O usuário do Entorno acessaria o sistema de Bilhete Único do DF ou continuaria pagando duas passagens distintas? Os R$ 5 pagos atualmente pelo passageiro do DF na integração darão acesso ao ônibus do Entorno? Ou ele desembolsaria o valor da passagem até o DF, mais o da integração? Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB) Pastor Willy Gonzales Taco, a ideia de integrar é boa, porque tem custo e tempo de deslocamento menores. Entretanto, ele alerta que só funcionaria se for atrativo para o passageiro. “O usuário fará comparações. O tempo de viagem aumentou? Estou pagando mais caro pelo serviço? Se ele não perceber vantagens, não adere”, explica.
A ANTT ainda não tem respostas para tantas dúvidas e admite que as conversas com o GDF para a implementação do sistema estão no início. Entretanto, a agência deve correr contra o tempo, porque as autorizações especiais, que garantem a circulação das empresas, vencem em 30 de novembro de 2018. E a licitação só poderá ser feita se o Plano de Outorga pensado pela entidade sair do papel.
O transporte do Entorno sempre foi ponto sensível na agência, que tem dificuldades para gerir o sistema. A ANTT tentou fazer a licitação de quatro regiões, mas apenas em uma houve vencedor — a Taguatur opera em Águas Lindas de Goiás desde 2015. Nas demais, as concorrências foram desertas — sem interessados — e fracassadas — a empresa que ganhou não pode assumir a concessão, porque não cumpria todos os requisitos necessários para a operação. Para não ficar sem transporte, o órgão distribuiu uma série de autorizações especiais e emergenciais. A União Transporte Brasília (UTB) cumpre alguns trechos por decisão judicial.
A vantagem da licitação é manter a estabilidade do sistema e as exigências de qualidade. Para o certame, é preciso uma frota mínima, há limite de idade dos veículos e a ANTT pede uma garantia — no caso da Taguatur, o valor é de R$ 32 milhões. A autorização, porém, não exige, sequer, idade máxima dos carros, apenas que eles estejam em boas condições.
Planejamento
O superintendente de Serviços de Transporte de Passageiros da ANTT, Ismael Souza Silva, explica que a agência resolveu mudar de estratégia. Em um primeiro momento, pensou em reunir todos os envolvidos e assinar um documento. Agora, pretende mostrar uma solução e pedir a adesão das partes. “A conversa com o GDF passa por uma série de contas. Como o modelo vai onerar o sistema do DF, porque vai exigir mais frota, mais terminais, mais gratuidades. Em contrapartida, a demanda pelo serviço vai aumentar”, calcula.
A Secretaria de Mobilidade recebeu os estudos e adiantou que apoia a solução apresentada pela ANTT. Entretanto, ponderou sobre a necessidade de planejamento.
Dilema parecido
O transporte de passageiros em áreas metropolitanas que envolvem diferentes unidades da Federação é um desafio para a ANTT. Entretanto, a maior demanda está no Entorno do Distrito Federal: 80% da modalidade fica na região. Portanto, é um dos mais difíceis de se resolver. Em Timon (MA) e Teresina (PI), o órgão delegará a gestão do transporte para um consórcio firmado entre os dois municípios. Em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), o drama é similar ao do Entorno do DF, onde a operação ocorre por meio de autorizações especiais.
Na opinião de Pastor Willy Taco, para o plano da ANTT dar certo no Entorno, o caminho será a criação de um consórcio com os 12 municípios envolvidos, a União e o Distrito Federal. “Temos instrumentos legais que permitem essa integração. A ANTT seria o órgão conciliador. Não dá mais para cada um ficar jogando a bola no campo do outro”, afirma.
Passageiros
Enquanto a questão não é resolvida administrativamente, moradores de cidades goianas vizinhas ao DF lamentam as condições do transporte oferecido na região. A doméstica Francisca Maria Passos, 57, mora em Águas Lindas. Segundo ela, há até goteira dentro de ônibus. Por isso, ela defende que o modelo da ANTT seja uma boa opção. “No Distrito Federal, o sistema de transporte melhorou desde que passou a valer a integração”, avalia.
A cuidadora de idosos Maria Isabel da Rocha Silva, 48, tem opinião diferente. Para ela, o sistema adotado na capital federal deixou a tarifa cara e os trajetos, demorados. “Seria preciso mais ônibus para que uma mudança como a proposta funcionasse bem”, diz.