Participação da sociedade ainda precisa crescer. PM está mais pronta do que a comunidade, alerta especialista
Lideranças preocupadas com os problemas da segurança pública em Águas Claras criaram grupos de bate-papo e página no Facebook para debater as necessidades da região e colaborar para a solução. No Lago Norte, a população começou a usar apitos, placas e grupos de WhatsApp para vigiar os conjuntos e acionar a Polícia Militar. O uso de aplicativos de mensagens instantâneas também virou regra para os presidentes dos conselhos comunitários de Segurança do Distrito Federal — os Consegs. Todas as situações têm uma característica em comum: a participação de moradores.
Para estudiosos, a notícia é boa. Porém, Brasília ainda engatinha no que diz respeito à gestão comunitária de segurança pública (Leia Palavra de Especialista). Morador de Águas Claras há 11 anos, Marcelo Marques, 46, entrou no grupo da região no Facebook em 2016. Policiais do batalhão da cidade participam do grupo e deslocam efetivos a partir dos pedidos de ajuda postados.
Além da página, os moradores têm o número do WhatsApp do 17º Batalhão da PM. Em vez de acionarem socorro pelo 190, eles se comunicam direto com os militares, o que agiliza o atendimento. “Sabendo utilizá-las, as novas tecnologias são muito úteis entre os vizinhos, porque oferecem a possibilidade de as pessoas se conhecerem e estabelecerem vínculo para proteção umas das outras”, observa Marcelo.
O empresário lembra que a rede de comunicação entre vizinhos e a polícia cresceu de tal forma que pessoas de outras regiões do DF, como moradores do P Sul (Ceilândia) e até de São Paulo, já pediram ajuda para implantar o mesmo formato de proteção coletiva. “Criou-se um vínculo que garante uma sensação de segurança e celeridade no atendimento às ocorrências”, comenta.
Controle social
A Rede de Vizinhos Protegidos, que atua desde abril de 2017 em 73 conjuntos do Lago Norte e do Setor Habitacional Taquari, reduziu a zero o número de furtos a residências. Os moradores usam grupos de WhatsApp com a PM e vizinhos, além de apitos, para alertar sobre a aproximação e presença de estranhos. Placas avisam que a região é monitorada.
O idealizador do projeto, tenente Luís Barbonaglia, do 24º Batalhão da PM, se inspirou em um programa similar, criado em Belo Horizonte. “Os moradores passam a entender que o policial faz parte da sociedade e que a colaboração entre as partes é fundamental”, explica Barbonaglia. A sensação de segurança aumentou, confirma Geraldo Cardoso, 61 anos, morador da QL 16 do Lago Norte.
“Antes, casas eram invadidas e nem ficávamos sabendo”, conta Geraldo. “Depois que a PM começou a atuar com a comunidade, tudo mudou.” Para evitar transtornos, quem espera visitas comunica aos vizinhos. “Passamos a avisar quando aguardamos alguém. Ficamos mais entrosados”, assegura Jussara Zandonadi, 62, que mora no local há 33 anos.
Para o subsecretário de Gestão da Informação da Secretaria de Segurança Pública do DF, Marcelo Durante, a união da comunidade resulta em mais segurança para a população. Segundo ele, pesquisas realizadas pelo órgão apontam que 52% dos moradores que mantêm relacionamento com vizinhos se sentem mais seguros. A rede de contato, na visão do subsecretário, impede o criminoso de agir. Quando existe coletividade e controle social do espaço, a ordem se mantém.
“A confiança entre vizinhos e com pessoas que estão próximas é fundamental, acaba sendo um dos fatores centrais para a garantia da segurança”, ressalta Durante. “Se alguém se sentir vulnerável, sabe que pode recorrer à outra quando está acontecendo alguma coisa.”
O ambiente propício para o criminoso, de acordo com Durante, é onde não existe controle nem acompanhamento. “A circulação de informação entre os moradores constrange o bandido. Na medida em que as pessoas se organizam e se relacionam umas com as outras, elas passam a cuidar do ambiente coletivo e zelam pela segurança de todos”, destaca.
Visão democrática
Para a subsecretária de segurança cidadã, Andréia Macedo, promover o engajamento da comunidade é o principal desafio para o policiamento comunitário. “Temos uma coordenação geral de policiamento comunitário. Damos cursos. Formamos policiais. A PM tem uma sessão no comando para o tema. É uma política pública de segurança”, explica. “Mas a gente precisa garantir uma maior representatividade da população dentro das reuniões dos conselhos comunitários de Segurança. Quanto mais pessoas participarem, mais teremos uma visão democrática.”
A estratégia é conscientizar a população da necessidade do envolvimento. “Trabalhamos para isso. Gostaríamos que (o engajamento) fosse maior. As pessoas estão, normalmente, envolvidas nos seus problemas diários. Uma reunião do Conseg é como uma reunião de condomínio. Não é uma lógica diferente. É um desafio para termos uma representatividade democrática”, acrescenta Andréia.
À frente da Federação dos Conselhos Comunitários de Segurança do DF, Flávia Portela concorda que as organizações civis são fundamentais para mobilizar a população. “Precisamos qualificar a fala da sociedade civil, ou vamos continuar demandando polícia quando, muitas vezes, a solução está em outro lugar”, afirma.
O policiamento comunitário, segundo Flávia, envolve também outros órgãos do governo, como as secretarias, os departamentos de Trânsito e de Estradas de Rodagem, a Agefis, as administrações regionais e a Novacap. Por isso, alerta, “é de vital importância que se qualifiquem os conselhos”.
Palavra do especialista
Muito além da polícia