Quando Augusto Corrêa começa a pintar, ele embarca em universos de cores, formas e expressões que extrapolam qualquer palavra dita. Desde os 9 anos, o jovem brasiliense percebeu que desenhar e colorir bolhas cria movimento, expressa emoções e, principalmente, carrega falas e significados que, na oralidade, lhe escapam a compreensão do mundo.
“Ninguém o manda pintar. Tudo o que você vê, nos mais variados moldes, é da cabeça dele e é uma linguagem dele”, comenta Jack Corrêa, pai do artista. Augusto nasceu com Síndrome de Down e encontrou nas artes visuais não somente seu meio de comunicação, já que tem apraxia, um distúrbio motor da fala, mas sobretudo, a sua identidade. Tudo de maneira espontânea, natural e instintiva. Os primeiros desenhos surgiram no caderno da escola, o que, no começo, despertou uma certa preocupação dos pais. “O que a gente custou a entender um pouco é que a arte era dele não era nossa”, pontua a mãe, Tatiana Mares Guia.
Aos 19 anos, o jovem criou uma metodologia e uma disciplina de criação. “Ele liga a televisão dele na Disney e começa a pintar”, descreve Jack. A partir dali, sem saber que o norte-americano Jean Michel-Basquiat também assistia desenhos animados enquanto pintava, imaginação, fantasia, criatividade e autenticidade levam o brasiliense para universos multicoloridos. No papel, o artista constrói a narrativa. Em determinados momentos, com borrões e cores escuras. Em outras obras, com tons leves ou supercoloridos. “Nós ficamos tentando decifrar, mas é algo de pura inspiração, não tem técnica, não tem justificativa formal. É pura alma”, define o pai.
Para Tatiana, Augusto é alegria em forma de fantasia. “Ele ainda é uma criança. Mesmo com 19 anos, curte tudo isso da imaginação e vive isso intensamente. Faz com que a gente se sinta uma criança também”, descreve a mãe. Se os símbolos da infância estão presentes no dia a dia do jovem e contagiam quem está por perto, também são recorrentes nos trabalhos. E, mais uma vez sem saber, o brasiliense faz como Basquiat e deixa saltar a fantasia da tela para os quadros. Por isso, no meio de alguns desenhos, aparecem referências ao Mickey, o nome do personagem Scooby Doo e desenhos figurativos existentes na cabeça do artista.
Pequeno grande artista
“O Ayrton Senna dizia que sorte é quando o talento cruza com a oportunidade. A gente deu a ele oportunidade de fazer muitas coisas, mas isso aqui foi o que ele mais se apaixonou e mais se aprofundou”, conta Jack. Em 10 anos, Augusto produziu mais de 400 desenhos e, até 5 de outubro, apresenta uma parte da produção no Centro Cultural TCU. É a exposição Bolhas 3: uma viagem espacial — a terceira realizada pelo brasiliense em quatro anos.
Em 2015, já com um acervo significativo de trabalhos, ele realizou a primeira mostra no Senado Federal, por ocasião das comemorações do 21 de março, Dia Internacional da Síndrome de Down. No ano seguinte, voltou a expor na instituição, desta vez, em uma viagem ao fundo do mar em Bolhas 2: uma viagem ao fundo do mar.
Mais do que pintar, Augusto é responsável pela escolha do tema das mostras e acompanha de perto todo o processo. A noite de abertura é uma verdadeira realização. A ansiedade é perceptível nos pequenos gestos e a alegria extrapola ao receber os convidados. Cada um que chega é recebido com um forte abraço e, de imediato, é apresentado para alguma pintura. Mesmo com a dificuldade da fala, o artista faz questão de contar que viu no céu cometas, planetas, túnel do tempo, portal e buraco negro e tentou traduzir esse universo espacial nas obras.
Enquanto o pintor posa para fotos e recebe amigos e admiradores, Jack e Tatiana são os olhos, os ouvidos e o coração de Augusto. “Não come mais nada para não passar mal. Hoje você é o artista”, adverte a mãe. “Com ele, não tem um dia igual ao outro. Ele é amor com alegria o dia inteiro”, acrescenta Tatiana. Sempre presente e participativa, ela acompanha o filho em todos os momentos e atividades. Ao olhar para os trabalhos mais recentes, consegue ver um desenvolvimento. “No começo, tinham muitos espaços em branco e não tinha a mesma exploração de cor. Você vê nitidamente um amadurecimento em cima do mesmo tema”, afirma.
Realizar a terceira exposição do jovem é mostrar para o mundo o pequeno grande artista que Jack e Tatiana têm em casa. “Desde a primeira exposição, que a gente colocou os desenhos nas molduras, que conseguimos dar um formato e pensar: as pessoas vão poder ver o que ele faz, eu sabia que tinha um artista em crescimento”, lembra a mãe. Revelar mais uma vez a arte de Augusto é também mostrar a relevância da oportunidade para a inclusão e a acessibilidade. “Nosso sonho, agora, é conseguir aplicar as pinturas dele em outras superfícies”, finaliza Jack.
Exposição Bolhas 3: uma viagem espacial
De Augusto Corrêa. No Centro Cultural TCU. Visitação até 5 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h, e sábado, das 14h às 18h.