O sargento reformado da Aeronáutica Juenil Bonfim de Queiroz, 56 anos, e a mulher, Francisca Náidde de Oliveira Queiroz, 57, conheceram Francisco de Assis, 41, e Marcelo Soares Brito, 40, há três anos, quando se mudaram para o prédio onde o casal homoafetivo morava, na Quadra 1405 do Cruzeiro. O militar logo assumiu a função de síndico e estreitou os laços com os homens, que tinha como amigos.
Há 10 meses, Marcelo e Francisco compraram uma casa, em Santa Maria, e deixaram o apartamento no Cruzeiro. Prima de Marcelo, Hirina Rocha Hernandez, 33, passou a morar no apartamento que ele alugara no Cruzeiro. “(Juenil) Queiroz me disse que acreditava nos meninos e, por isso, confiaria em mim para morar aqui no prédio. A gente tinha uma boa relação”, ressaltou a mulher. De acordo com ela, a história de um relacionamento extraconjugal é descabida. “Ninguém consegue dizer como essa mentira surgiu!”
Na noite de quarta-feira (12/6), Marcelo e Francisco foram buscar um computador na casa de Hirina. Eles ficaram na casa da prima por menos de uma hora, até descerem e encontrarem o sargento com a esposa, quando voltavam da casa dos filhos. “Meu primo ia comemorar o Dia dos Namorados. Queiroz chegou muito agitado, subiu no apartamento e desceu com a arma, pedindo para ele subir. Minha primeira ação foi chamar a polícia, mas nunca achei que ele realmente fosse matar alguém. Pensei que fossem apenas ameaças”, contou, em lágrimas, Hirina.
Francisco estudava para conseguir um bom emprego. “Ele trabalhou um tempo como motorista de aplicativo, mas vendeu o carro e estava apenas estudando gastronomia e nutrição”, disse. A família de Franscisco mora na terra natal dele, o Piauí. Apenas uma irmã se mudou este ano para o Distrito Federal.
Mulher caseira
Francisca é descrita por vizinhos e amigos como uma pessoa tranquila, uma “mãezona”, que gostava de cuidar de todos. Caseira, ela era apaixonada por artesanato. Passava a maior parte do tempo livre produzindo panos de prato, sapatos de bebês e outros itens de crochê. A maior diversão era expor em grandes feiras de Brasília, como a Expotchê e o Salão do Artesanato. “Há quase uma década, conheci a Náidde (forma como as pessoas próximas chamavam Francisca) vendendo produtos. Logo, ficamos muito amigas”, contou a artista plástica Viviane Ferreira Dourado, 44.
De acordo com a mulher, a amiga era uma pessoa muito religiosa, que gostava de ficar em casa. “Francisca estava sempre sorridente, respeitava muito a gente. Aparentemente, tudo estava tranquilo”, afirmou Viviane. Sobre Juenil, a mulher contou que ele sempre foi uma pessoa tranquila, que nunca percebeu nenhuma atitude anormal vinda dele. “A gente convive com as pessoas, mas é impossível imaginar que esse tipo de coisa aconteça. Gostava muito deles”, lamentou.
Casados há mais de 30 anos, Juenil e Francisca moraram a maior parte da vida no Cruzeiro. Toda manhã, andavam de mãos dadas ao passear com o cachorro e conversavam com vizinhos. Faziam questão de mostrar a boa relação, no entanto, dentro de casa a realidade parecia ser outra.
“Há um mês, encontrei Francisca em um supermercado e ela me pediu ajuda. Disse que o marido estava muito violento e não sabia mais o que fazer”, contou uma amiga da vítima, que pediu para não ter o nome divulgado. De acordo com ela, os relatos sobre violência em casa eram frequentes. “Ela chegou a me dizer que não se sentia mais segura na presença dele, que a agressividade aumentava a cada dia”, ressaltou a amiga.
Francisca se mudou para Recife (PE) há cinco meses para morar com a filha. “Por causa das agressões, ela deixou o Queiroz, porém, decidiu voltar atrás pouco tempo depois. A filha ainda insistiu para ela ficar, mas Francisca não queria deixar o marido sozinho”, lamentou um amigo da vítima.
Contexto
Não é raro que mulheres que sofrem anos de agressão permaneçam ao lado dos cônjuges, assim como Francisca. Pesquisadora do Instituto Anis de bioética, direitos humanos e gênero, Sinara Gumieri, explica que isso acontece porque há sempre um contexto por trás da violência. “Se você sofre uma agressão de alguém que nunca viu na vida, a primeira reação é se proteger, se cuidar, não querer ver nunca mais essa pessoa. É completamente diferente quando a violência parte de alguém com que você compartilha sonhos.”
Sinara, que também é doutoranda em direito pela Universidade de Brasília (UnB), descreve a situação como ambiguidade humana. “O tempo inteiro a sociedade diz que aquela vítima tem que continuar. Tentar se separar ainda é algo malvisto. Você tem um homem decente, companheiro, mas que é agressivo e controlador”, pondera.
A pressão social é parte do que faz essas vítimas permanecerem tanto tempo em um relacionamento abusivo. “Numa relação de poder, você é ensinado que a pessoa pode mudar porque há afeto envolvido. Com isso, a gente coloca uma culpabilização indevida nas mulheres. São elas contra o mundo”, conclui.