O trabalho da Universidade de Temple (EUA), feito com ratos, mostrou que o consumo do óleo em sua forma mais pura diminui as placas e os emaranhados que se formam no cérebro dos pacientes
Em um mundo cada vez mais longevo e com casos de Alzheimer em disparada, pesquisadores estão na corrida por substâncias capazes de proteger o cérebro da doença neurodegenerativa. Um estudo publicado na edição de ontem da revista Annals of Clinical and Translational Neurology indicou que o azeite de oliva extravirgem pode ser um aliado na guerra contra a enfermidade que deve afetar 135,5 milhões de pessoas em 2050, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O trabalho da Universidade de Temple (EUA), feito com ratos, mostrou que o consumo do óleo em sua forma mais pura não só melhora a integridade da memória e das habilidades cognitivas, como diminui as placas e os emaranhados que se formam no cérebro dos paciente
Embora a causa do Alzheimer ainda não tenha sido desvendada, já se conhece alguns mecanismos por trás da destruição progressiva dos neurônios. As mais estudadas são as placas beta-amiloide e os emaranhados neurofibrilares — esses últimos, provocados pela deformação da proteína tau no interior celular, seriam responsáveis pelos danos específicos da memória. Estudos prévios, também com animais, haviam indicado um efeito positivo do azeite de oliva extravirgem no combate às placas. Agora, se tem a primeira evidência de que a substância natural também é eficaz contra a formação dos emaranhados.
“O azeite de oliva extravirgem ativa um importante maquinário dentro das células chamado autofagia, que é responsável pela digestão e a eliminação de proteínas tóxicas, como a beta-amiloide e a tau”, explica Domenico Praticò, professor do Departamento de Farmacologia e Microbiologia da universidade e principal autor da pesquisa. “Ao fazer isso, as células nervosas podem se comunicar melhor umas com as outras, e o cérebro tem menos acúmulo de placas amiloides e de emaranhados tau”, continua.
De acordo com Praticò, a escolha do alimento nesse estudo deve-se ao fato de que a dieta mediterrânea, composta por frutas, hortaliças, pouquíssima proteína animal e muito azeite, já foi associada, diversas vezes, a benefícios à saúde, incluindo a do cérebro. “O que se acredita é que o azeite extravirgem é melhor que fruta e vegetais sozinhos, e, como gordura vegetal monossaturada, é mais saudável que a gordura animal”, conta.
Neurônios preservados
Para fazer a investigação, os autores utilizaram um modelo de rato transgênico que apresentava as principais características conhecidas da doença: problema de memória, placas amiloides e emaranhados neurofibrilares. Um grupo foi alimentado com a dieta enriquecida em azeite, enquanto o outro não consumiu o óleo extravirgem. Ao longo do estudo, os cientistas fizeram testes cognitivos, incluindo de memória, com os animais. Os do primeiro grupo saíram-se muito melhor que os do segundo.
A certeza sobre o efeito do azeite veio, porém, com a análise dos tecidos cerebrais. Depois que os ratos morreram, os pesquisadores examinaram os neurônios e perceberam muitas diferenças entre os grupos. Os animais alimentados com azeite extravirgem apresentavam sinapses (a comunicação entre os neurônios) íntegras, ao contrário dos demais. Isso significa um funcionamento preservado das funções cerebrais. Além disso, no primeiro grupo, o mecanismo de autofagia estava muito mais ativado: ou seja, as células conseguiam varrer as placas beta-amiloide e as proteínas tau danificadas. Por esse motivo, havia menor concentração das substâncias no tecido cerebral dos ratos.
A nutricionista Joana Lucyk, autora do blog Siga sua Dieta e do livro Por que não posso comer besteiras todos os dias?, afirma que o azeite de oliva é considerado um alimento funcional devido à presença de ácidos graxos monoinsaturados, especialmente ômega 9 e ômega 3, além da vitamina E e compostos fenólicos. “Esses nutrientes e fitoquímicos estão envolvidos no combate aos radicais livres, substâncias que danificam as estruturas celulares, com grande atividade no cérebro de pacientes com Alzheimer. Os componentes do azeite auxiliam na manutenção da fluidez da membrana celular e diminuição da peroxidação lipídica, o que é essencial para a manutenção das estruturas celulares e, por consequência, ao seu bom funcionamento”, diz. “É importante ressaltar que, para aproveitarmos seus benefícios, devemos ingerir o azeite extravirgem in natura. Segundo a Anvisa, a recomendação é de duas colheres de sopa de azeite extravirgem ao dia, desde que o restante da dieta esteja de acordo com a necessidade do organismo”, ensina.
Praticò diz que, no caso do efeito específico de proteção contra o Alzheimer, a medida pode ser menor. “A ingestão diária de uma colher de sopa de azeite de oliva extravirgem pode ser uma abordagem terapêutica segura e viável contra a demência e a doença de Alzheimer”, diz. Para ele, é possível prevenir a enfermidade com dieta. “Contudo, ajuda se a alimentação for combinada a exercícios físicos.”
Palavra de especialista
Somando forças
“Cientificamente, existem diversos estudos mostrando que a dieta do mediterrâneo parece ter um efeito de proteção contra a doença de Alzheimer. Alguns sugerem que um dos principais componentes dessa dieta a promover os benefícios à saúde seria o azeite de oliva extravirgem, mas é uma observação empírica e nenhum (estudo) conseguiu demonstrar de forma cabal. Esse de agora, por ser neuropatológico, soma uma força grande a essas observações, porque estamos falando das engrenagens pelas quais a doença de Alzheimer destrói o cérebro. Em todas as principais engrenagens, o azeite de oliva mostrou algum benefício. Não se sabe exatamente como ele faria isso, mas o fato mais importante não é como ele faz. Uma grande parte dos medicamentos que está nas prateleiras das farmácias, a gente não sabe como funciona, mas sabe que funciona. A virtude desse estudo é que ele endereçou várias coisas ao mesmo tempo e mostrou resultado em todas. Será que o azeite de oliva pode prevenir e melhorar a performance do cérebro? Em ratos, parece que sim. Mas nós sabemos que isso precisa ser confirmado com estudo usando azeite puro em humanos, algo que vai demorar algum tempo pra acontecer. Muitas pesquisas que em ratos foram superpromissoras não confirmam com humanos. É importante deixar claro que não é uma substância milagrosa, embora seja algo animador. E o interessante é que estamos falando de um alimento. A nutrição já fala que o azeite de oliva extravirgem é muito bom. Não é um remédio novo, é um alimento.”
Otávio Castello, neuropsiquiatra geriátrico, diretor científico da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer e membro da Alzheimer’s Association.
Parkinson pode ser autoimune
Pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Columbia e do Instituto para Alergia e Imunologia La Jolla, ambos nos Estados Unidos, descobriram a primeira evidência direta de que a autoimunidade — condição na qual o sistema imunológico ataca os próprios tecidos do corpo — desempenha um papel no Parkinson, a doença neurodegenerativa que afeta os movimentos. A descoberta levanta a possibilidade de que a morte de neurônios pode ser prevenida por terapias que freiem a resposta imune. O estudo foi pulicado na revista Nature.
“A ideia de que o mal funcionamento do sistema imune contribui para o Parkinson data de mais de 100 anos”, diz David Sulzer, coautor do trabalho e professor de neurobiologia na Universidade de Columbia. “Mas, até agora, ninguém conseguiu ligar os pontos. Nossos resultados mostram que dois fragmentos de alfa-sinucleína, uma proteína que se acumula nas células cerebrais de pessoas com Parkinson, podem ativar as células-T, envolvidas nos ataques autoimunes.”
Segundo Alessandro Sette, professor do La Jolla e colíder do trabalho, ainda é necessário saber se a resposta imunológica à alfa-sinucleína é uma causa inicial do Parkinson ou se contribui para a morte neuronal, piorando os sintomas depois que a doença é deflagrada. “Essas descobertas podem fornecer um teste diagnóstico muito necessário para a doença de Parkinson e podem nos ajudar a identificar indivíduos em risco ou nos estágios iniciais.”
Células enganadas
O estudo constatou que as células-T podem ser enganadas pelo acúmulo de proteínas alfa-sinucleína e levadas a pensar que os neurônios dopaminérgicos são estranhos ao cérebro. “Na maior parte dos casos de Parkinson, esses neurônios ficam cheios de estruturas chamadas corpos de Levy, primariamente compostos por alfa-sinucleína malformadas”, explica David Sulzer. Na pesquisa, os cientistas expuseram amostras sanguíneas de 67 pacientes de Parkinson e de 36 pessoas saudáveis a fragmentos de alfa-sinucleína e de outras proteínas encontradas em neurônios. Eles analisaram as amostras para determinar quais delas desencadeavam uma resposta imune.
No grupo de controle, foi vista pouca atividade das células do sistema imunológico. Em contraste, nas amostras de sangue dos pacientes da doença neurodegenerativa, houve forte resposta aos pedaços da proteína. Particularmente, essa reação foi associada à variante comum de um gene encontrado no sistema imunológico, o que pode explicar por que tantas pessoas com Parkinson carregam a versão genética. “Nossas descobertas levantam a possibilidade de que uma abordagem imunoterápica possa ser usada para aumentar a tolerância do sistema imunológico à alfa-sinucleína, o que ajudaria a abrandar ou prevenir a piora dos sintomas nos pacientes”, acredita Sette.
10 milhões
Estimativa de pessoas com Parkinson no planeta,
segundo a organização norte-americana sem fins lucrativos Parkinson’s Disease Foundation. No Brasil, calcula-se que há cerca de 200 mil pacientes.