Carteiras que já tinham sido vendidas ainda constavam em balanços, aponta investigação; operação Conclave foi deflagrada nesta quarta. BC diz que não sabia de esquema; MPF contesta.
A compra de R$ 739,2 milhões em ações do Panamericano – hoje, Banco Pan – pela Caixa Participações foi embasada por uma série de “maquiagens” nos balanços do banco, aponta investigação conjunta do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Segundo a apuração desses órgãos, pelo menos R$ 3,8 bilhões tiveram que ser injetados no banco, no ano seguinte, para cobrir o rombo que tinha sido ocultado durante a venda.
Nesta quarta (19), a operação Conclave cumpriu 41 mandados de busca e apreensão em endereços de pessoas físicas e jurídicas envolvidas na transação. Ao todo, 46 ordens desse tipo tinham sido expedidas pela Justiça. As ações foram cumpridas simultaneamente em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Paraná, em Pernambuco, em Minas Gerais e no Distrito Federal.
Antigo dono do banco, o grupo Silvio Santos disse que não se pronunciará. A CaixaPar informou que está em contato permanente com as autoridades, “prestando irrestrita colaboração com os trabalhos, procedimento que continuará sendo adotado pela empresa”. A TV Globo procurou o Banco Panamericano, que não tinha se manifestado até a última atualização desta reportagem.
No relatório enviado à 10ª Vara Federal de Brasília, os investigadores classificam a transação, “em linguagem simples e direta, de uma aquisição criminosa de um banco falido por um banco público”. A Caixa Participações, ou CaixaPar, é o braço da Caixa Econômica Federal responsável por atuar como acionista de bancos privados.
As ações compradas pela CaixaPar correspondiam, à época, a 35,5% do capital social do Banco Panamericano. Meses depois, constatou-se que o patrimônio real do banco era negativo, e que os quase R$ 740 milhões pagos pela CaixaPar tinham sido “absorvidos” pelo rombo financeiro.
Entre as “inconsistências contábeis” do Panamericano – indicadas pelo próprio Banco Central e anexadas ao relatório da investigação –, havia um “grande volume de carteiras de crédito” que o banco já tinha vendido a outras instituições financeiras, mas ainda incluía como ativo em seus próprios balanços.
Os dados ajudaram a “inflar” os balanços do Panamericano durante a compra, mas tiveram de ser corrigidos depois. Em novembro de 2010 e janeiro de 2011, o Grupo Silvio Santos aportou R$ 3,8 bilhões no banco, via Fundo Garantidor de Créditos, para reforçar o caixa da instituição.
Aos investigadores, o Banco Central afirmou que só tomou conhecimento da real situação financeira do Panamericano com dois meses de atraso, quando já tinha dado aprovação prévia para a compra. O MPF diz discordar dessa versão, e afirma que técnicos do BC já desconfiavam das inconsistências em maio de 2010 – antes de o processo entrar em análise.
Contratadas para avaliar a situação financeira do Panamericano naquela época, quatro empresas de auditoria também foram alvo dos mandados de busca e apreensão nesta quarta. Os investigadores afirmam que os relatórios foram feitos com “muita rapidez”, e não apontaram nenhuma dessas incongruências nos balanços financeiros do banco.
Quebra de sigilo
A Justiça Federal no DF também autorizou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e de e-mails de 43 pessoas investigadas na Operação Conclave. A lista inclui o ex-executivo da BTG Pactual, André Esteves, ex-diretores e diretores da CaixaPar e o irmão caçula de Silvio Santos, Henrique Abravanel, diretor-conselheiro do banco Panamericano – foi ele quem assinou o contrato das ações em 2010.
Também teve o sigilo quebrado por autorização da Justiça Luiz Sebastião Sandoval, presidente do Grupo Silvio Santos à época dos fatos, e que deixou a presidência do grupo em 2010.
O Panamericano foi vendido em 2011 ao BTG Pactual por R$ 450 milhões. Com o acordo, a instituição passou a deter 34,64% do Panamericano, com 51% das ações ordinárias – o que garante o controle do banco – e 21,97% das preferenciais. Por outro lado, a Caixa manteve a participação de 36,56% no capital social total do banco.
Segundo os investigadores, a análise desses documentos pode confirmar os indícios de irregularidades na operação de compra e venda das ações. MPF e PF afirmam que “a transação trouxe benefícios somente para o antigo grupo empresarial controlador e apenas prejuízos para a Caixa Econômica Federal”.
Mais suspeitas
No relatório entregue à Justiça, MPF e PF também questionam a “rapidez” com que as negociações foram feitas, lá em 2010. Segundo o inquérito policial, todo o processo burocrático entre a apresentação da proposta de venda à CaixaPar e a assinatura do contrato levou apenas 20 dias.
A investigação também aponta que o relatório de uma das quatro empresas de auditoria independente levou prazo ainda menor, de apenas três dias. A análise do Banco Central levou 11 meses mas, quatro meses antes da conclusão do negócio, a diretoria do BC deu “aval preliminar” ao negócio.
“Com efeito, o Banco Central jamais deveria ter autorizado o negócio a ‘toque de caixa’, em caráter preliminar, o que revela uma urgência incomum e uma estratégia que poderia ser suicida para a CaixaPar o que, de fato, acabou ocorrendo”, diz a petição.
Os R$ 739,2 milhões também foram repassados “de forma rápida”, na avaliação dos investigadores. Desse total, 30% (R$ 238 milhões) foram liberados em julho de 2010, no dia da aprovação preliminar do negócio, e o restante (R$ 517,4 milhões), no dia do fechamento do contrato.
Segundo o inquérito, é incomum que esse repasse seja feito “de imediato”, sem que o comprador – nesse caso, a CaixaPar – se resguarde contra eventuais prejuízos.
Relembre
Em novembro de 2009, o Banco Panamericano recebeu um aporte de R$ 2,5 bilhões, com recursos obtidos junto ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC), tendo os bens do grupo Silvio Santos como garantia, depois que o Banco Central identificou um rombo nas contas da instituição. O objetivo era reforçar o balanço do Panamericano e evitar uma corrida aos saques.
De acordo com a autoridade monetária, o Panamericano mantinha em seu balanço, como ativos, carteiras de crédito que já haviam sido vendidas a outros bancos. Também houve duplicação de registros de venda de carteiras. Com isso, o resultado do banco era inflado.
A venda do Panamericano ocorreu em 2011. Venda foi acertada com o BTG Pactual, por R$ 450 milhões. Com o acordo, a instituição passou a deter 34,64% do Panamericano, com 51% das ações ordinárias – o que garante o controle do banco – e 21,97% das preferenciais. Por outro lado, a Caixa manteve a participação de 36,56% no capital social total do banco.
Especializado nos segmentos de leasing e financiamento de automóveis, o Panamericano teve 49% do capital votante e 35% do capital total vendido para o banco estatal Caixa Econômica Federal em dezembro de 2009, por R$ 739,2 milhões.