Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) conseguiu 27 assinaturas — número mínimo necessário — para protocolar o pedido de abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) destinada a investigar o escândalo no Ministério da Educação. O parlamentar, no entanto, busca ampliar a lista, para 30, e, assim, garantir uma “margem de segurança sobre a abordagem dos senadores que tirem a assinatura”.
A eventual desistência de signatários não deve ser a única barreira à comissão. A decisão de permitir a leitura do requerimento — a ser protocolado na semana que vem — para a instalação do colegiado cabe ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que resiste à ideia.
Em coletiva de imprensa, na quinta-feira (23/6), Randolfe procurou ser positivo em relação à avaliação de Pacheco, classificado por ele como “um dos presidentes do Senado mais obedientes ao texto da Constituição”. “A comissão parlamentar de inquérito é direito constitucional de minoria. Pela Constituição, existem apenas três critérios para que ela venha a ser instalada: número certo, fato determinado e tempo para funcionamento. Esses três critérios estão no requerimento”, ressaltou o líder da oposição na Casa.
Na quarta-feira, Pacheco destacou que o pleito de outubro pode ser um entrave à investigação do colegiado. “O fato de estarmos muito perto das eleições termina prejudicando o trabalho dessa e de qualquer outra CPI. Talvez seja o caso de submeter ao colégio de líderes esse e outros pedidos”, declarou, na ocasião.
Na avaliação de Randolfe, no entanto, com as evidências sobre o suposto esquema de corrupção no MEC e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a CPI não precisaria ser prorrogada, ou seja, os trabalhos ocorreriam dentro dos 90 dias previstos. De acordo com ele, dois meses já serão suficientes, se tiverem o assessoramento do delegado da Polícia Federal (PF) que investiga o caso. “É só pedir ao delegado que conduziu as ações o compartilhamento dos documentos de posse da PF e do MPF (Ministério Público Federal)”, sugeriu.
Para o senador Eduardo Braga (AM), líder do MDB na Casa, a sociedade é um fator relevante para a instalação. “Acho que a questão do escândalo do MEC ficou irreversível do ponto de vista da opinião pública. Depois da prisão do ex-ministro (Milton Ribeiro), é difícil explicar se não for apurado”, destacou. “Reconheço que o período eleitoral poderá dificultar a instalação, porém as denúncias precisam ser apuradas.”
Marcelo Castro (MDB-PI), um dos nomes com quem Randolfe tem conversado para engrossar a lista, frisou que a motivação para a CPI foi a prisão de Ribeiro. “Mostra (a detenção) que o negócio é de submundo”, pontuou. “O pessoal do governo está trabalhando para não ter CPI, mas os senadores que eram passíveis de tirar assinatura já retiraram”, afirmou.
A base do governo defende a instalação de colegiados de interesse do Executivo, com a CPI da Petrobras. Randolfe disse não ver problema em mais comissões dessa natureza ocorrerem concomitantemente. “Não nos intimidamos com o argumento da base do governo de que há 10 CPIs na frente. Pode fazer quantas CPIs quiser. Se criarem e tiverem os requisitos necessários, as CPIs serão instauradas. Não cabe juízo de valor, mas abertura”, ressaltou.
A ligação do Planalto com o FNDE
A Operação Acesso Pago, da Polícia Federal, que investiga denúncias de tráfico de influência e corrupção no Ministério da Educação, tem como principal alvo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), um dos balcões mais procurados por políticos interessados em conseguir dinheiro para investimento nos seus redutos eleitorais. A apuração incomoda o Palácio do Planalto por causa das ligações do presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, com partidos do Centrão. Até junho de 2020, Ponte era chefe de gabinete do então senador Ciro Nogueira (PP-PI), atual ministro-chefe da Casa Civil e padrinho de sua indicação para o cargo.
Com orçamento de quase R$ 65 bilhões para este ano, o órgão tem despesas obrigatórias, como o repasse de verbas para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), o Pnae ( Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica) e o Fies (Financiamento Estudantil). Mas também libera recursos para construção de escolas, contratação de serviços e compra dos mais variados produtos — como material didático, mobiliário, equipamentos eletrônicos e ônibus escolares —, por meio de convênios com estados e municípios, e por iniciativa própria.
A avaliação do entorno do presidente Jair Bolsonaro (PL) é de que o chefe do FNDE acumulou muito poder, a ponto de se desgarrar do ex-patrão para virar “operador político do Congresso”, de acordo com uma fonte do Planalto ouvida pelo Correio. “Ciro Nogueira, hoje, não consegue mais demitir da Ponte, ele virou um braço político do Arthur Lira (presidente da Câmara) e dos senadores. Não é só o PP, mas PL, Republicanos, os partidos da base não o deixam sair do cargo, ele se tornou ‘indemissível'”, comentou.
O PL também tem um nome de confiança no FNDE. Garigham Amarante Pinto, que trabalhou com o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, ocupa o cargo de diretor de Ações Educacionais do órgão.
Em abril, quando veio à tona o escândalo envolvendo o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, e os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, Ponte teve de dar explicações às comissões de Educação do Senado e da Câmara. Revelou, na ocasião, que os religiosos participaram de, pelo menos, quatro eventos ligados ao órgão. Porém, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, Arilton foi 21 vezes à sede do fundo, em Brasília, enquanto Gilmar visitou o órgão em três oportunidades.
Para o presidente da Comissão de Educação do Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), o FNDE “está dividido entre o Progressistas e o PL, principalmente” e “providências precisam ser tomadas para aprofundar as investigações”.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), articulador da instalação da CPI do MEC, disse, ontem, que “Arthur Lira e Ciro Nogueira são os nomes que estão no centro da operação”. Para ele, há “indícios de que foram colocadas pessoas nas equipes dos partidos para operar o esquema, mas isso cabe à CPI investigar”.
Poder de atração
Segundo o Portal da Transparência, dos R$ 25 bilhões executados entre janeiro e maio deste ano, R$ 18,7 bilhões foram destinados ao financiamento efetivo da educação, a maior parte em despesas obrigatórias. Ao Fundeb, por exemplo, R$ 10 bilhões já foram transferidos até agora. Mas são os convênios e as licitações diretas do FNDE que atraem o interesse político, por serem despesas voluntárias. Só neste ano, o fundo já contratou R$ 8,4 bilhões, a maior parte (86%) sem exigência de licitação (R$ 6,5 bilhões) ou com dispensa de licitação (R$ 757 milhões).
Em dois anos no cargo, Ponte teve mais de 300 audiências com parlamentares, quase todos do Centrão. O orçamento bilionário e a facilidade para liberar recursos explicam essa atração, mas também desperta a atenção dos órgãos de fiscalização e controle. Compras e contratações suspeitas vêm passando pelo pente-fino de instituições como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).
O relatório de avaliação da CGU sobre as contas de 2021 do FNDE, por exemplo, apontou “distorções na ordem de R$ 18,8 bilhões nas Demonstrações Contábeis de 31/12/2021”. Segundo o documento, o resultado contábil apresentado pelo órgão “não reflete adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a situação patrimonial, o resultado financeiro e os fluxos de caixa do FNDE”. O valor das “distorções” representa mais de um terço das despesas executadas no ano passado, que somaram R$ 45,5 bilhões.
O presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME), deputado Professor Israel Batista (PSB-DF), pediu acesso aos relatórios da CGU. “O resultado da auditoria da CGU é muito grave, porque o FNDE já vem com um histórico de denúncias de corrupção com dinheiro do órgão”, declarou o parlamentar.
Ao Correio, a assessoria do FNDE informou que “a autarquia já iniciou os devidos ajustes contábeis, antes mesmo da publicação do relatório, e em consonância com o referido órgão de controle, não havendo prejuízo ao erário”. Com relação à Operação Acesso Pago, frisou que “não houve operação da Polícia Federal no FNDE”.
Por Correio Braziliense