O uso de eletrônicos vestíveis é uma forte tendência. Mas muitos avanços tecnológicos precisam ser conquistados até que as roupas sejam capazes de realizar tarefas complexas, como o monitoramento da saúde de quem as usa. Para encurtar esse caminho, pesquisadores do Canadá desenvolveram uma bateria flexível e à prova d’ água. O novo dispositivo, feito com uma técnica de montagem diferenciada, está em fase de testes e tem apresentado resultados positivos. O trabalho foi apresentado na última edição da revista especializada Advanced Energy Materials.
“Os eletrônicos vestíveis são um grande mercado, e as baterias extensíveis são essenciais para seu desenvolvimento”, enfatiza, em comunicado, Ngoc Tan Nguyen, pesquisador na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade de British Columbia. “Nós até temos baterias extensíveis promissoras, mas são peças não laváveis, e esse é um acréscimo essencial para que elas possam suportar as demandas do uso diário”, acrescenta. Em busca de um dispositivo com essas características, Nguyen e sua equipe testaram uma técnica de montagem inovadora.
Os investigadores explicam que os dispositivos atuais contêm camadas internas de materiais rígidos, que são revestidos também por uma cápsula protetora mais dura. Para tornar a estrutura flexível, eles usaram os mesmos materiais de baterias tradicionais, mas triturados. “Optamos pelo zinco-manganês porque ele já foi usado em outros tipos de baterias para materiais vestíveis com sucesso e por uma importante vantagem que carrega, já que esse é um material químico seguro para ser usado próximo à pele, com menos danos do que as baterias de íon-lítio, que podem produzir compostos tóxicos quando se quebram”, detalha Nguyen.
Em seguida, a equipe incorporou o conteúdo em um plástico emborrachado, feito de uma mistura de polímeros. A combinação manteve a elasticidade do dispositivo e gerou o efeito impermeabilizante esperado. “Nossa peça de cobertura é feita de várias camadas ultrafinas de polímeros. Essa construção cria uma vedação hermética e à prova d’água que garante a integridade da bateria”, detalham os autores do artigo.
Segundo eles, o dispositivo funciona mesmo quando torcido ou esticado até o dobro do comprimento original. Até agora, a bateria resistiu a 39 ciclos de lavagem, e a equipe de pesquisa espera aprimorar a sua durabilidade. “Colocamos nossos protótipos em um ciclo real de lavanderia, em máquinas de lavar domésticas e comerciais. Eles saíram intactos e funcionais. Depois desses testes, tivemos a certeza de que essa bateria é realmente resistente”, afirma Bahar Iranpour, também autor do estudo e pesquisador da instituição.
Custo baixo
Apesar de ainda em desenvolvimento, a bateria flexível e resistente à água já atraiu interesse comercial, o que pode ajudar o projeto a evoluir em poucos meses, segundo os criadores. O grupo acredita que o valor baixo dos produtos utilizados contribui ainda mais para acelerar o processo de venda da tecnologia. “Os materiais são incrivelmente baratos, isso faz com que seja fácil produzir em grande escala”, explica John Madden, diretor do Laboratório de Engenharia de Processos e Materiais Avançados da Universidade de British Columbia e um dos supervisores do projeto.
A nova tecnologia poderá ser usada em relógios, outros pequenos dispositivos capazes de medir sinais vitais e também em roupas que mudem de cor ou de temperatura. “Dispositivos vestíveis precisam de energia. Ao criar uma célula que é macia, extensível e lavável, estamos tornando a energia vestível confortável e conveniente”, diz Nguyen.
Para o professor Roberto Avillez, do Departamento de Engenharia Química e de Materiais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a bateria apresenta vantagens importantes, que podem fazer a diferença no mercado de vestíveis eletrônicos. “A busca por tecnologias para usar no corpo é antiga, mas sempre esbarramos no empecilho de encontrar uma fonte de energia que possa ser usada nesses produtos. O trabalho desses pesquisadores parece se encaixar bem no que precisamos. É uma bateria construída com uma técnica simples e que apresenta vantagens essenciais: a flexibilidade e a resistência à água”, avalia.
Uma das maiores vantagens do novo dispositivo, segundo Avillez, é a escolha de materiais já usados em dispositivos do tipo, o que pode facilitar sua comercialização. “O zinco e o manganês e até os polímeros escolhidos pelos pesquisadores são produtos que não são caros e são fáceis de lidar. É claro que esses cientistas não tiveram muito trabalho com o protótipo, pois estavam em laboratório, mas mesmo uma produção em larga escala pode ser feita nesses moldes, e isso é essencial para que a tecnologia se torne algo real e viável”, justifica.
Benefícios para a internet das coisas
“Um dos pontos mais interessantes nesse projeto é a resistência do material, que se manteve funcionando mesmo depois de ter sido lavado. Isso é importante porque faz com que a bateria não precise ser descartada toda vez que for usada, algo que tornaria a aceitação do usuário mais complicada, por ser mais caro. Outro ponto importante é que, ao facilitar o uso de energia em materiais vestíveis, abrimos uma porta para o uso da internet das coisas, que é uma área em grande crescimento. É muito bacana ter um aparelho com essa excelência e que possa contribuir até para a navegação de ambientes virtuais, como o metaverso, bastante falado atualmente. O acesso a ele é feito por meio de um óculos, mas poderia ser realizado por meio de aparelhos vestíveis que usassem esse tipo de bateria.”
Gabrielle Silva, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e Engenheira Eletricista com ênfase em Telecomunicações
Descarte mais sustentável com ultrassom
A tecnologia que permite aos pais verem os filhos antes do nascimento pode auxiliar no descarte mais sustentável de baterias de carros. Pesquisadores suecos conseguiram usar o ultrassom para retirar metais agressivos à natureza de dentro dos dispositivos em menos tempo, o que pode tornar mais simples o processo de reciclagem desses produtos. A técnica foi apresentada na última edição da revista especializada Green Chemistry.
Uma das dificuldades enfrentadas durante o processo de descarte de baterias é o acesso aos metais tóxicos presentes nelas — a retirada depende do auxílio de materiais químicos pesados. Para ajudar a simplificar essa tarefa, os pesquisadores testaram o uso de ondas ultrassônicas. Em testes laboratoriais, os especialistas aplicaram frequências extremamente altas — de 40 kHz, um tom muito além da faixa de audição dos humanos — em baterias de carros descartadas.
“Essas ondas criam microbolhas que entram em colapso, gerando temperaturas locais de quase 5.000°C e produzindo radicais livres altamente reativos. A agitação resultante aumenta a transferência de massa dos metais das baterias, auxiliando, assim, sua retirada”, detalha Xiong Xiao, pesquisador do Royal Institute of Technology, na Suécia, e um dos autores do estudo.
Mais análises
Nos testes, os cientistas alcançaram resultados positivos em 97% dos íons metálicos que compõem as baterias, reduzindo em até 50% o tempo do processo de extração tradicional dos metais tóxicos. “A força das ondas ultrassônicas é tanta que os produtos químicos agressivos não são mais necessários para a extração do metal, como o ácido sulfúrico, que é extremamente agressivo ao meio ambiente”, enfatizam os autores do estudo.
Segundo a equipe, mais análises precisam ser feitas para aperfeiçoar a técnica. O próximo passo é otimizar o ultrassom usando diferentes níveis de intensidade e frequência, na tentativa de alcançar uma extração ainda mais rápida. “A busca por tecnologias verdes é um nicho do futuro, e, mesmo que elas ainda sejam agressivas, teremos métodos que auxiliem a reduzir os danos desses produtos à natureza”, frisa Xiao. “Os benefícios se estenderão para além dos automóveis. Podemos trabalhar com qualquer dispositivo que necessite de um desgaste mais adequado, desde telefones celulares a redes elétricas mais complexas.”
Fonte: Correio Braziliense