A cotação das principais criptomoedas continua a despencar nesta semana, incluindo as perdas bilionárias da maior delas, o bitcoin — o valor de cada unidade passou de quase R$ 290 mil em dezembro de 2021 para R$ 109 mil em 16 de junho.
Essa derrocada tem afetado milhares de investidores ao redor do mundo, a exemplo do governo de El Salvador. O pequeno país da América Central despejou milhões de dólares em bitcoins, além de ter legalizado transações há nove meses, incentivando a população a usar a criptomoeda no dia a dia.
Bijuteria, comida, gasolina e até imóveis. Sim, você pode praticamente comprar qualquer coisa com bitcoin em El Salvador. Aliás, fazer essas transações com comerciantes de rua e grandes varejistas do país é uma experiência marcante.
Além de ilustrativa de quão longe chegou o bitcoin desde o seu misterioso surgimento em 2008, a decisão do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, de legalizar transações com criptomoedas representa, na prática, que todas as empresas devem aceitá-las em pagamentos, assim como ocorre com a outra moeda adotada em El Salvador, o dólar americano.
Mas o declínio da cotação das criptomoedas ampliou as críticas e os questionamentos sobre a política pública de investir quase US$ 100 milhões (cerca de R$ 505 milhões) em bitcoin — com direito a celebrações do presidente salvadorenho no Twitter a cada aquisição.
Atualmente, os 2.300 bitcoins comprados pelo país valem metade do que foi pago por eles, mas o ministro das Finanças rebateu as críticas afirmando que há um “risco fiscal extremamente baixo” para o país.
Apesar das críticas e da crescente pressão para reverter sua política ligada a criptomoedas, o governo salvadorenho parece determinado a manter a medida e outros planos ambiciosos para a criptomoeda no país.
‘Praia do Bitcoin’
O lugar onde o movimento bitcoin começou em El Salvador é conhecido como El Zonte, uma pequena cidade de surf e pesca na costa sul do país. Aqui, em 2019, um doador anônimo deu a um grupo de fãs de criptomoedas a primeira de muitas grandes doações de bitcoin.
Ninguém sabe ao certo quem é o doador ou doadora, mas todos sabem que o acordo era o seguinte: a cidade poderia manter as moedas digitais sob a condição de que não fossem convertidas em dólares.
A ideia era criar a primeira economia circular de bitcoin do mundo, onde as pessoas podem ser pagas em bitcoin e viver dentro dele.
É uma ideia radical. No resto do mundo, bitcoins podem ser usados para compras online, mas, tirando um número reduzido de cafés hipsters ou projetos específicos, não é possível usá-los nas ruas.
El Zonte até agora recebeu cerca de US$ 350 mil (R$ 1,8 milhão) do benfeitor anônimo, uma quantia significativa para esta cidade pobre e turística, conhecida agora como Bitcoin Beach (ou Praia do Bitcoin, em tradução literal).
Katerina Contreras foi uma das primeiras beneficiárias.
Há dois anos, durante a pandemia, lhe ofereceram um curso de salva-vidas, e parecia um bom negócio.
Os organizadores pagaram o transporte e alimentação dos formandos em bitcoin. Além disso, “por seis meses, trabalhamos como salva-vidas e recebemos nossos salários em bitcoin”, conta ela.
Algumas empresas da cidade dizem ter visto um aumento de 30% no comércio, já que os turistas de bitcoin, alimentados por canais de criptomoedas do YouTube, foram atraídos pela novidade de gastar suas moedas digitais nas férias.
Mas a adoção do bitcoin como moeda continua errática.
Minhas viagens me levaram a concluir que quanto mais longe você está de Bitcoin Beach, menor a probabilidade de poder comprar coisas na moeda digital.
Em Bitcoin Beach, pouco mais da metade das empresas que encontrei aceitavam bitcoin, mas dirija 80 minutos para o norte até a capital, San Salvador, e essa taxa não passa de um quarto do comércio.
Carteira Chivo
O governo diz que não tem planos de forçar as empresas a aceitarem o bitcoin, mesmo que sejam obrigadas a fazer isso de acordo com a Lei Bitcoin do país. Até agora as medidas das autoridades se restringiram a oferecer incentivos.
O dinheiro ainda é reina no país, em que mais da metade dos salvadorenhos não possuem uma conta bancária. Mas o presidente Bukele despejou US$ 200 milhões (quase R$ 1 bilhão) em dinheiro público em um subsidiado aplicativo de carteira para bitcoin chamado Chivo.
Quem baixar o aplicativo recebe US$ 30 em Bitcoin por se inscrever, o que pode explicar porque ele foi baixado 4 milhões de vezes, em um país de 6,5 milhões de habitantes.