São Paulo – Era 2008 quando a ideia da bitcoin, criptomoeda utilizada para transações virtuais, foi publicada na internet. Mas, para que ela pudesse ser utilizável, era necessária uma base para evitar a duplicação indevida do dinheiro digital. Por isso, o próprio idealizador da moeda, identificado na internet apenas como Satoshi Nakamoto, pensou na tecnologia blockchain. Ela é um livro-razão que funciona com uma rede de blocos virtuais com informações. Cada nova informação é gravada e vinculada à antecedente, de modo a tornar-se, teoricamente, imutável.
Nakamoto desenvolveu a ideia durante uma crise econômica de nível global – puxada pela grande crise de 2008 nos Estados Unidos. Por conta disso, um novo cenário bancário chamou bastante a atenção dos grandes empresários
Um dos principais atrativos das transações realizadas com bitcoin é o fato da moeda ser descentralizada. Isso significa que a transferência é feita de maneira direta – sem qualquer intermediário, como bancos ou instituições reguladoras. A moeda também não é fiscalizada por governos, uma vez que funciona de forma independente e criptografada (codificada de forma impossível de decodificar usando computadores existentes).
Organizações como Fedex, Walmart, Nestlé e Amazon estão realizando testes para implementar a tecnologia em seus serviços. O Walmart, por exemplo, trabalha em parceria com a IBM desde 2016 para otimizar suas atividades com o uso do blockchain. Graças à tecnologia de registro digital, o tempo de rastreamento para o fornecimento de mangas para a multinacional diminuiu de 7 dias para apenas 1.
Como o blockchain funciona
Para que as transações utilizando a bitcoin sejam realizadas, um sistema que previne a cópia e alteração de dados foi desenvolvido, cujo nome é blockchain. Em outras palavras, essa rede de dados dificulta que os usuários mintam sobre seus atos, ou cometam fraude ao gastarem a mesma quantia duas vezes.
Por meio de blocos com segurança avançada, os conteúdos das transações são protegidos e guardados em um sistema de alta segurança. Essa tecnologia pode ser comparada a uma grande biblioteca, já que seus conteúdos são armazenados de maneira pública e qualquer um pode visualizar as movimentações financeiras.
Para organizar o sistema, os mineradores – responsáveis por montar a cadeia blockchain e validar os blocos – reúnem as transações em blocos, e um está ligado ao outro por meio de um elo chamado “hash”, que é como se fosse a impressão digital de um arquivo. O bloco posterior sempre contém conteúdo novo e mais o “hash” do anterior, criando assim um selo que tem a finalidade de verificar se o bloco foi alterado.
Porém, qualquer transação feita pela tecnologia blockchain só é autenticada quando um bloco é preenchido. O que significa que o dinheiro virtual pode demorar um pouco para chegar “nas mãos” da outra pessoa. Mas, quando chega, é de forma única, sem a possibilidade de o valor ser duplicado.
Cada transação fica gravada no livro-razão, chamado ledger. Nele, nada pode ser apagado, o que significa que toda e qualquer movimentação financeira feita pelos usuários permanece no sistema.
5 aplicações práticas do blockchain
Ainda que a tecnologia tenha sido pensada por Nakamoto para um ambiente totalmente virtual, organizações reais estão se beneficiando do uso da cadeia. Veja 5 exemplos de como a grande rede de dados é útil.
Realizar pagamentos internacionais
Com o uso do blockchain, fazer pagamentos internacionais pode se tornar mais rápido e eficiente. O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PMA) criou um sistema de pagamentos baseado na criptomoeda Ethereum, plataforma que realiza contratos e aplicações descentralizadas por meio da tecnologia blockchain.
Outro exemplo é que a IBM, gigante do setor de TI, desenvolveu uma maneira de auxiliar instituições financeiras a processar pagamentos internacionais por meio do blockchain, com o intuito de alavancar a tecnologia de contabilidade e oferecer uma transparência maior para todos os envolvidos nos processos bancários. Os contratos inteligentes fariam com que pessoas em diferentes cantos do mundo se comunicassem diretamente no sistema.
Apesar de ser uma inovação que facilitaria os processos internacionais e possibilitaria que os usuários tivessem mais controle da movimentação de seu dinheiro, poucos bancos estão aderindo à ideia. Caso o blockchain seja utilizado, as despesas seriam reduzidas em bilhões.
Garantir seguro para carros autônomos
Com grandes montadoras, como Volkswagen e Ford, se mobilizando para desenvolver carros autônomos, o MIT Media Lab está trabalhando em parceria com o Instituto de Pesquisa da Toyota para criarem um seguro para esse modelo de veículos.
Com o blockchain, os donos e fabricantes de carro teriam os seus dados agrupados em blocos confiáveis e seguros, além de informações sobre seguros. Essa mudança seria relevante por fornecer tudo o que é necessário saber em uma rede virtual, como informações de localização e densidade dos veículos. Uma possível vinculação de pagamentos por sistema virtual também permitiria que serviços baseados em taxas, como pedágios e estacionamento, tivessem o preço reduzido.
Eleições
O sistema das eleições sempre foi alvo de questionamentos, seja ele físico ou eletrônico. Em março do ano passado, um distrito do país africano Serra Leoa atualizou o seu processo de votação para o modelo digital. O distrito de Freetown armazenou os votos através da tecnologia blockchain, onde cada voto era registrado em um bloco particular, acessado apenas pelos funcionários que fariam a conta.
Outro exemplo é o aplicativo desenvolvido pela fundação Democracy Earth, sediada na Califórnia, chamado Sovereign. A partir dele, votos são registrados em blockchain para que sejam contabilizados com segurança. Com isso, eleitores podem votar por meio de chaves eletrônicas, com um número de votos e candidatos específico. Isso impede a manipulação de resultados. Porém, a tecnologia ainda não foi adotada em votações de larga escala.
Jogos digitais
Os games, por si só, já estão se tornando altamente tecnológicos, com gráficos ultrarrealistas e o aumento da interatividade jogador-computador. Com o blockchain, no entanto, jogadores poderão ter muito mais controle do universo fictício que participam.
A desenvolvedora norte-americana de jogos, Tapinator, criou um jogo de pintura, chamado BitPainting, que permite com que os usuários compartilhem suas criações de maneira digital. As chamadas criptocolecionáveis são vendidas com o uso de bitcoin.
Para comprovar que os usuários estão dispostos a se adaptarem ao novo modelo, a plataforma de jogos Chimaera arrecadou mais de 1,5 milhão de dólares em bitcoin durante a pré-venda de seu serviço.
Compartilhamento de energia sustentável
Também é possível ajudar a salvar o planeta com o uso do blockchain. A empresa de energia LO3 Energy, situada em Nova York, está usando a tecnologia para inovar o jeito como a energia passa do gerador ao consumidor.
A companhia desenvolveu um aplicativo para smartphones que facilita a comunicação entre vizinhos e estabelecimentos locais, para encontrarem soluções melhores para o uso de energia em suas propriedades.
Indivíduos que possuam painéis solares são capazes de vender, por meio do aplicativo, parte dessa energia e créditos ambientais, que é uma recompensa simbólica proporcional ao quanto um indivíduo auxiliou o planeta ecologicamente. A startup está considerando desenvolver um sistema de energia que não dependa de outras redes.
O que especialistas dizem sobre a tecnologia
Em um estudo feito pela empresa americana de consultoria McKinsey & Company, os segmentos que mais serão impactados pelo blockchain serão o setor público, o mercado financeiro, e o varejo. Os que sofrerão menos mudanças serão os setores da saúde, de indústrias e o de mineração. Empresas de grande porte já apostam no blockchain. A IBM, por exemplo, tem mais de 200 milhões de dólares investidos na tecnologia para o setor financeiro.
De acordo com a consultoria MarketsAndMarkets, o mercado do blockchain deve crescer no período de 2018 a 2023. O faturamento do setor passará de 1,2 bilhão de dólares para 23,3 bilhões de dólares globalmente. A taxa de crescimento anual é de 80,2%. Os países mais afetados pela mudança serão Estados Unidos, Canadá, México, Reino Unido, Alemanha, França, China, Japão e Austrália.
O blockchain é uma tecnologia que leva o tradicional livro-razão para o mundo virtual, o que pode ajudar a poupar custos e diminuir o tempo necessário para comunicação global. Agora, é questão de tempo para que as empresas criem e adotem soluções comercialmente viáveis para tirar proveito dessa tendência bilionária.