O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, apresentou na manhã desta quinta-feira, 3, ao Parlamento britânico o “protocolo” que o seu governo propôs à União Europeia (UE) para, se for incluído no acordo de retirada do Brexit, servir como mecanismo emergencial para a hipótese de a relação futura entre as duas partes não estar toda em vigor ao fim do período de transição previsto no acordo.
Johnson alegou, no entanto, que se Bruxelas não mostrar disposição para negociar com base no que ele chamou de “concessões de Londres”, o Reino Unido deixará o bloco sem acordo em 31 de outubro.
Questionado pelo líder da oposição e do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, se obedeceria ou não a lei que o obriga a, se não houver acordo nem o aval do Legislativo para uma saída sem acordo, pedir um adiamento de três meses do Brexit à UE, Johnson desconversou.
Por meio de uma carta ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e uma nota explicativa, o premiê britânico apresentou na quarta-feira a proposta de, com o protocolo emergencial, criar uma zona regulatória de bens, inclusive agrícolas, em toda a ilha da Irlanda.
Segundo os documentos, a zona regulatória cobriria todos os bens e eliminaria todas as verificações regulatórias no comércio de bens entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, “ao assegurar que as regulações de bens na Irlanda do Norte são as mesmas que no resto da UE”, alinhando este país ao bloco.
“Isso significa que a fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte será uma fronteira aduaneira”, aponta a nota explicativa que acompanhou a carta, negando, no entanto, que as verificações e os controles aduaneiros precisem ser realizados na fronteira ou perto dela.
Falando nesta quinta à Câmara dos Comuns, Johnson afirmou esperar que, sob esse protocolo, a União Europeia tampouco realize verificações alfandegárias no seu lado da fronteira.
O protocolo apresentado por 10 Downing Street visa remover do acordo e substituir o mecanismo que ficou conhecido como backstop, desenhado para ser acionado caso um acordo seja firmado entre o Reino Unido e a UE, mas, ao fim do período de transição do divórcio, as duas partes ainda não tenham definido como será a sua relação futura.
Sob o arranjo negociado pela ex-premiê Theresa May, no caso emergencial previsto no backstop, o Reino Unido seria mantido integralmente em uma união aduaneira com o bloco até que essa relação futura fosse decidida e posta em vigor.
Johnson disse que a solução para o Brexit ainda está um pouco distante, mas afirmou que a salvaguarda irlandesa tem de ser abolida e que a União Europeia reagiu construtivamente às suas propostas para um novo acordo.
“Enquanto estou aqui hoje, ainda estamos um pouco longe de uma resolução; cabe aos nossos amigos europeus aceitar a necessidade de abordar essas questões”, disse Johnson ao Parlamento.
O premiê saudou as ligações construtivas que teve com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o premiê da Irlanda, Leo Varadkar, bem como o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
Johnson reafirmou que, se um acordo não for possível, o Reino Unido ainda assim deixará o bloco europeu em 31 de outubro.
UE recebe mal plano de Johnson
Johnson apresentou nesta quarta-feira, 2, sua “proposta final” sobre o Brexit à União Europeia e pediu a Bruxelas “alguma concessão” para alcançar um acordo. O plano de Johnson não foi bem recebido na Irlanda e muito criticado pelos europeus.
“Hoje, apresentamos em Bruxelas o que acredito que sejam propostas razoáveis e construtivas”, disse o premiê no encerramento do congresso anual do Partido Conservador, em Manchester. “Sim, o Reino Unido está fazendo concessões e espero que nossos amigos europeus entendam e façam alguma concessão.”
Seu principal objetivo é substituir a controversa “salvaguarda irlandesa” por outro sistema que permita evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte, território britânico, e a República da Irlanda, membro da UE, para preservar o acordo de paz de 1998 que acabou com três décadas de conflito sectário na região.
De acordo com a proposta, a Irlanda do Norte conservaria as regulamentações do mercado único europeu sobre a livre circulação de produtos, incluindo os gêneros agroalimentares. Isso teria o efeito de eliminar a necessidade de controles regulatórios entre a Irlanda do Norte e a Irlanda. A proposta não menciona pessoas, capitais e serviços, que no mercado único também têm livre circulação.
“Isso não é aceitável para o governo irlandês, mas tampouco para a UE em seu conjunto”, afirmou a ministra irlandesa de Assuntos Europeus, Helen McEntee. A Irlanda informou ontem que o primeiro-ministro, Leo Varadkar, falou com Johnson por telefone. Para a Irlanda, apesar de “as propostas não alcançarem os objetivos acordados previamente, Varadkar iria estudá-las mais detalhadamente”.
A UE tampouco recebeu bem a proposta de Johnson. De acordo com o eurodeputado liberal Guy Verhofstadt, coordenador do Brexit na Câmara Europeia, as alternativas apresentadas por Johnson não foram convincentes. “A primeira avaliação de quase todos os membros não foi positiva”, disse Verhofstadt após reunião com o negociador-chefe da UE, Michel Barnier. Ele ainda acrescentou que hoje o bloco dirá o que não é aceitável na proposta”.
Para Barnier, houve “progresso” nas propostas, mas ainda é insuficiente para um acordo. “Sinceramente, ainda há muito trabalho a ser feito”, disse. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, elogiou a “determinação” de Johnson para evoluir, mas ressaltou que ainda há pontos “problemáticos” na proposta.
As concessões citadas por Johnson a serem feitas pela UE referem-se principalmente ao prazo do Brexit, o qual o premiê britânico não pretende adiar. Ele garantiu ontem que o Reino Unido “abandonará a UE em 31 de outubro, aconteça o que acontecer”, ao mesmo tempo em que disse que a alternativa a sua proposta é uma saída do bloco sem acordo.
Mais de três anos depois do referendo de 2016, o complicado processo do Brexit levou o Reino Unido a uma profunda crise política. Negociado com dificuldades pela ex-primeira-ministra Theresa May, o acordo foi rejeitado três vezes pelo Parlamento britânico.
Inicialmente previsto para março, o Brexit já foi adiado duas vezes, uma decisão que exige a aprovação unânime dos outros 27 membros da UE. Os adiamentos levaram à renúncia de May.
Em setembro, o Parlamento britânico aprovou uma lei que obriga Johnson a solicitar outro adiamento na ausência de um acordo até 19 de outubro, pouco depois de uma reunião de cúpula europeia. O primeiro-ministro não explicou de que maneira pretende superar esta barreira. Johnson, que perdeu a maioria parlamentar, deseja convocar novas eleições.