Os longas O formidável, El Amparo e Manifesto, com estreias hoje, trazem à telona amplo vínculo com a realidade
Duas sentenças ouvidas no longa-metragem O formidável revelam muito do poder de fogo do protagonista, o cineasta Jean-Luc Godard, habilitado a dizer que a “publicidade é fascismo” e que, nos anos de 1960, “judeus se tornaram os nazistas contemporâneos”. Reproduzir declarações desmedidas formam, porém, apenas uma parte da pretensão do cineasta Michel Hazanavicius, o mesmo que homenageou o cinema mudo em O artista (premiado com o Oscar). No fundo, O formidável quer mesmo é contar da gangorra amorosa de Godard e da atriz Anne Wiazemsky (renomada, ao participar do longa A chinesa) e da eloquência política do criador dos clássicos O desprezo e Acossado, uma obsessão que o tornou cada vez mais cético em relação às sociedades dos séculos 20 e 21.
Por vezes intratável, Jean-Luc Godard (que, na tela, é interpretado por Louis Garrel) ganha contorno de trapalhão, a cada queda (e quebra) de óculos, em meio à multidão de manifestantes dos inúmeros protestos dos quais participou. Ácido até mesmo com a atriz e mulher que acompanhou (por 12 anos) a trajetória dele, o Godard representado no cinema sente o peso da culpa da vida burguesa, criticando Anne por ações como se bronzear, nadar e relaxar. Revolucionário e inquieto, por muito tempo, ele promoveu um salve-se quem puder, obrigando a reflexões e estimulando a massa, na efervescente Paris dos anos de 1968.
Auxiliar na interrupção do Festival de Cannes e de quase censurar uma obra do colega Marco Ferreri da qual a Anne Wiazemsky tomaria parte são alguns dos episódios protagonizados por Godard, e que estão integrados ao longa-metragem O formidável. Crítico (capaz de tachar o cinema de “morto”) e dono de acirrado espírito independente, Godard, no filme, rejeita a si mesmo. É retratado como alguém antenado na inovação, nos riscos e que não tolera “gente velha”. Maoista e apegado ao espírito de coletividade – um contraste à inata vaidade –, Godard é personagem de um filme que dá limitada voz às personagens mulheres e que retrata a perda de sua leveza e do charme do seu inovador cinema (junto à massa).
Arbitrariedades
Também tratando dos bastidores da intenção e do fazer artístico, o longa-metragem Manifesto se debruça sobre a empreitada em vídeo e instalações do artista alemão Julian Rosefeldt. É ele quem comanda o longa que traz uma série de enunciados ligados à arte. Conceitos de cineastas coerentes como Jim Jarmusch eLars von Trier, mundos alternativos propostos por surrealistas, pop art e um amontoado de abstrações estão acumulados em Manifesto. Sete vezes indicada ao Oscar, a atriz Cate Blanchett é quem dá vazão ao desordenado mix teórico expresso em Manifesto.
Com coprodução também australiana, Manifesto mostra personagens dissolvidos numa sociedade que profere arte a todo instante. Múltipla, Cate Blanchett interpreta 13 papéis. Vale a lembrança de que a vencedora do Oscar por Blue Jasmine (de Woody Allen) já ter interpretado Katherine Hepburn (em O aviador) e ter personificado até Bob Dylan em Não estou lá, quando, há nove anos, perdeu o Oscar de coadjuvante para Tilda Swinton (de Conduta de risco).
Bastante apegado ao tom realista e decidido a não investir nas manipulações à mão da arte do cinema, o diretor e ator Rober Calzadilla apostou em El Amparo, história de parte da sociedade venezuelana que foi assolada e achatada por forças do poder oficial. Atuante na Provea, uma ONG ligada aos Direitos Humanos, Calzadilla conheceu a fundo um enredo pouco explicado e que teve como palco o rio Arauca. Com roteiro de Karin Varecillos (saída do teatro), a encenação para cinema traz as figuras de Chumba (Giovanny García) e Pinilla (Vicente Quintero).
Perto da divisa com a Colômbia, em 1988, os protagonistas sofreram com traços de intimidação e de impunidade, tendo sido acusados pelo Exército da Venezuela de atuarem como guerrilheiros e de terem matado 14 homens. Promotores, jornalistas e uma comunidade de pescadores estão retratados na tela, na obra que venceu a Mostra de São Paulo de 2016, como melhor filme (pelo júri internacional) e ainda pelo melhor roteiro (dado pela crítica).
Outras estreias
Missão cegonha
De Toby Genkel e Reza Memori.
Animação inspirada no mundo das aves. Na trama, o pardal Rick sofre quando, depois de ter sido criado por cegonhas, se vê impedido, fisicamente, de concluir uma rota de migração.
Nascido em Três Corações (Minas Gerais), Pelé é cinebiografado
Pelé — O nascimento de uma lenda
De Jeff e Michael Zimbalist.
Até a vitória, na Copa do Mundo de 1958, a trajetória do melhor jogador de futebol de todos os tempos é recontada. O filme parte da infância do atleta nascido em Três Corações (Minas Gerais).
Mark Felt: O homem que derrubou a Casa Branca
De Peter Landerman.
Liam Neeson, na tela, protagoniza tramoias que levaram o vice-presidente do FBI a série de denúncias capazes de resultarem na renúncia do presidente Richard Nixon.