A pompa e a circunstância são as de sempre, mas algo de renovador se desenrola, em paralelo ao tapete vermelho da 72ª edição do Festival de Cannes, evento que começa amanhã — e que trará a visibilidade do cinema brasileiro, presente com quatro longas-metragens (metade, na disputa central pela Palma de Ouro). Outros dois, de realização no exterior, têm à frente produção brasileira. Logo na abertura do evento,The dead don´t die trará uma penca de zumbis, mas que prometem algum pedigree já que estão num filme assinado por Jim Jarmusch, e com elenco de renome, incluídos Bill Murray, Tom Waits e Tilda Swinton.
À parte, fora da competição oficial, Cannes se populariza pelas exibições, na quinta, de Rocketman, a esperada cinebiografia de Elton John feita por Dexter Fletcher (de Bohemian rhapsody) e, na véspera da cerimônia de encerramento (marcada para o dia 25), de trechos de Rambo V (a ser lançado em setembro), com a presença de Sylvester Stallone, que mostrará versão restaurada de Rambo (1982).
Passando pelo crivo do júri composto pelos cineastas Alejandro G. Iñárritu, Yorgos Lanthimos e Alice Rohrwacher, além da atriz Elle Fanning, o Brasil engrena participação com Bacurau (de Kleber Mendonça Filho, que volta a competir, três anos depois de Aquarius, e Juliano Dornelles), estrelado por Sônia Braga, Karine Teles e Udo Kier (alemão que trabalhou com Fassbinder e Lars von Trier). O longa é descrito como um western, capaz de emendar ação, memória e ficção científica. Bacurau terá sessão quarta, antecedido pelo concorrente Les Miserábles, de Ladj Ly, sobre homem que integra milícia contra o crime.
Quem promete monopolizar os holofotes também é Quentin Tarantino que, ladeado por astros como Brad Pitt, Leonardo DiCaprio e Al Pacino, chega ao evento com Era uma vez… em Hollywood, isso 25 anos passados desde a Palma de Ouro para Pulp fiction. A trama do novo longa se passa às vésperas dos anos 1970, e projeta o prestígio do cinema, no meio de dublês e astros de tevê, trazendo ainda personagens como Roman Polanski e Sharon Tate (Margot Robbie).
Vencedor recente da Palma de Ouro, o inglês Ken Loach retorna a Cannes, com o longa Sorry, we missed you, em torno da dificuldade de um caminhoneiro de se adaptar à modernidade britânica. Também de ajuste viverá o personagem central do longa O traidor, produzido pelo Brasil, a Itália, a Alemanha e a França, e conduzido por Marco Bellocchio. Na fita, que tem Maria Fernanda Cândido no elenco, Pierfrancesco Favino vive Tommaso Buscetta, mafioso que, passada temporada no Brasil, vai de encontro à liderança da Cosa Nostra, depois de ser mandado de volta para a Itália.
Medalhões
Antes da esperada homenagem reservada a uma lenda viva, o ator Alain Delon, na programação de domingo, Pedro Almodóvar entra no disputa do festival, com o longa Dor e glória (na sexta-feira), trazendo a trupe de sempre de seus filmes — Julieta Serrano, Cecilia Roth, Antonio Banderas e Penélope Cruz. Na trama, passado e presente afetam o futuro de um cineasta em processo de revisão da trajetória. A diretora francesa Céline Sciamma, igualmente, se une na contenda: traz Retrato de uma dama em brasas, estrelado por Valeria Golino, e detido nos confins da Bretanha do século 18, nos quais uma mulher é escalada para pintar retrato de um casamento de terceiros.
Com diretores de carreira exemplar, como Bruno Dumont e Christophe Honoré, o brasileiro Karim Aïnouz, pela terceira vez no evento, depois de comparecer com Madame Satã e O abismo prateado, levará o melodrama A vida invisível de Eurídice Gusmão à disputa, na mostra Um Certo Olhar. No filme, ambientado nos anos de 1950 e que tem a participação especial de Fernanda Montenegro, duas irmãs (Carol Duarte e Júlia Stockler, na tela) são separadas, a contragosto. Separação de uma menina em fase escolar que busca mais intensidade na vida, ao lado de um novo amigo, puxa o enredo de Sem seu sangue, longa que levou a jovem brasileira Alice Furtado (leia entrevista) para a seleção do segmento Quinzena dos Realizadores. O mesmo segmento coloca o Brasil em evidência, uma vez que Rodrigo Teixeira (envolvido no novo longa de Karim Aïnouz) é o produtor de um dos concorrentes, The lighthouse, fita dirigida por Robert Eggers (o mesmo do sucesso de terror A bruxa).
Visibilidade
Na mostra Um Certo Olhar, destaque ainda para o italiano Lorenzo Mattotti, dono da proeza de levar a animação A famosa invasão dos ursos na Sicília, que versa sobre o sequestro do filho de um rei urso, a invejável patamar de concorrente. E Cannes, em 2019, promete ainda ser vitrine para os mais diversificados tipos de cinema. Do chileno Patricio Guzmán ao norte-americano Terrence Malick, passando pela dupla de irmãos belga Jean-Pierre e Luc Dardenne (no centro das atenções, com Jovem Ahmed, que revê parte do Alcorão por prisma extremista), Cannes trará personalidades fortes. No filme Diego Maradona (do britânico Asif Kapadia), o ex-atleta, por exemplo, é revisto, por meio do acesso a três entrevistas e ao exame de 500 horas de material inédito.
O número:
500 horas foi o tempo do material inédito pesquisado
para o documentário sobre o craque Diego Maradona