Pesquisadores observaram pela primeira vez atividade cerebral além da chamada linha reta do eletroencefalograma, um dos principais critérios (ao lado de danos neurológicos irreversíveis) para determinar a morte cerebral. Os cientistas acreditavam que além desse ponto não poderia haver nada, principalmente vida. Contudo, o estudo sugere que existe uma fronteira até então desconhecida no funcionamento do órgão. Os pesquisadores afirmam, contudo, que a descoberta não muda nada para os pacientes que sofrem morte cerebral. A pesquisa foi divulgada na publicação especializada Plos One na quarta-feira.
Os pesquisadores observaram um paciente humano em “coma hipóxico profundo extremo” sob uso de forte medicação antiepilética. “O doutor Bogdan Florea, da Romênia, contatou nosso time de pesquisa porque ele tinha observado fenômenos inexplicáveis no eletroencefalograma de um paciente em coma. Nos demos conta que de era atividade cerebral, desconhecida até agora, no cérebro do paciente”, diz Florin Amzica, da Universidade de Montreal.
O time canadense decidiu recriar o estado do paciente em gatos – modelo para estudos neurológicos. Eles usaram um anestésico para deixar os animais em coma profundo extremo – condição, no caso, totalmente reversível. Os felinos estavam com a chamada linha reta no eletroencefalograma, o que é associado com falta de atividade no córtex (a região “governante” do cérebro). Contudo, em todos os “pacientes”, eles descobriram oscilações no hipocampo, área ligada à memória e ao aprendizado.
As oscilações observadas eram conhecidas até agora apenas no córtex, e não no hipocampo. Eles deram a elas o nome de complexos-Nu (uma das letras gregas) e concluíram que eram as mesmas observadas no paciente humano.
Amzica destaca, contudo, que a descoberta não muda em nada os casos atuais. “Aqueles que decidiram ‘desplugar’ um parente em estado próximo de morte cerebral não precisam se preocupar ou duvidar de seu médico. O atual critério para diagnosticar morte cerebral é extremamente rígido. Nossos achados talvez, em longo prazo, levem a uma redefinição do critério, mas estamos longe desse passo. Além disso, este não é o mais importante ou útil aspecto do nosso estudo.”
Após um dano intenso, os médicos podem colocar os pacientes em coma induzido para que o cérebro e o corpo se recuperem. Amzica acredita, contudo, que o coma profundo extremo experimentado nos gatos possa ser mais útil.
“Naturalmente, um órgão ou músculo que permanece inativo por um longo período eventualmente atrofia. É plausível que o mesmo se aplica ao cérebro mantido em um longo período em estado correspondente à linha reta do eletroencefalograma”, diz Amzica. “Um cérebro inativo que venha de um coma prolongado talvez esteja em pior forma do que um cérebro mantido com uma atividade mínima. Pesquisar os efeitos do coma profundo extremo no qual o hipocampo está ativo, através dos complexos-Nu, é absolutamente vital para o benefício dos pacientes.”
Segundo Daniel Kroeger, outro participante do estudo, a descoberta também abre portas para a pesquisa básica em ciência. “Nós também descobrimos que o hipocampo pode mandar ‘ordens’ para o comandante do cérebro, o córtex. Finalmente, a possibilidade de estudar o processo de aprendizado e memória no hipocampo durante um estado de coma irá nos ajudar a entendê-lo. Em resumo, todos os tipos de avenidas para a pesquisa básica estão abertas para nós agora.”