Prestes a ser votada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo do Distrito Federal (Luos) está longe de ser unanimidade entre os grupos interessados. Prova disso é a quantidade de emendas que o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 69/20 recebeu: até ontem, eram 120, das quais 10 foram anuladas e três, retiradas. Relator do projeto, Cláudio Abrantes (PDT) adianta ao Correio que os deputados vão trabalhar durante o fim de semana e realizar reunião extraordinária na segunda-feira (21/3), a fim de concluir a apreciação das emendas propostas.
Um acordo entre os líderes da Casa havia marcado a votação para a última terça-feira (15/3). No Plenário, porém, os deputados concordaram em adiar a apreciação para a próxima terça (22/3) — justamente pela extensa lista de emendas adicionadas. Para justificar a solicitação, os parlamentares argumentaram que a maior parte dos acréscimos sugeridos não foi analisada por todas as comissões as quais o texto deveria ter passado. A proposta foi apreciada apenas pelas comissões de Assuntos Fundiários (CAF) e de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Turismo (CDESCTMAT), que analisaram o mérito do projeto. As comissões de Economia, Orçamento e Finanças (Ceof) e de Constituição e Justiça (CCJ) deveriam revisar os critérios de admissibilidade. Quando passou pela CDESCTMAT, a revisão da Luos tinha 46 emendas. Menos de duas semanas depois, com 72 emendas, a atualização da Luos foi apreciada pela CAF.
O relator Cláudio Abrantes afirma que a grande quantidade de emendas extras é normal, porque, após a análise nas duas comissões, novas reivindicações passaram a ser discutidas. “A maioria foi proposta antes da apreciação das comissões. A sociedade civil organizada seguiu apresentando demandas, como os moradores do Lago Sul, do Lago Norte e do Park Way, em função da avaliação de inclusão de novos serviços”, explica o relator e presidente da CAF.
Críticas
As questões tocantes ao Lago Sul, ao Lago Norte e ao Park Way são algumas das mais discutidas na revisão da Luos. A proposta aumenta os usos comerciais permitidos nas áreas residenciais dessas regiões administravas. Hoje, apenas escritórios de advocacia são autorizados. Arquiteto e doutor em sociologia urbana, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Benny Schvarsberg discorda da forma restritiva de como a revisão vem sendo feita.
O especialista em planejamento de cidades opina que a alteração é um “mundo de miudezas”, cujas mudanças foram analisadas pela “turma do mercado imobiliário do DF”, e as resistências ficaram por conta das “comunidades privilegiadas e conservadoras de ‘bairros residenciais’ nobres.” “Na verdade, é uma farsa, pois, lá, também funcionam inúmeros escritórios de arquitetura e engenharia, consultórios de psicologia e atividades de saúde, além de lobby empresarial, político e financeiro. A pandemia generalizou o home office e essas atividades”, elenca o professor. “Por outro lado, milhares de salas comerciais e escritórios estão vazios e subutilizados no centro do Plano Piloto e nas demais regiões administrativas do DF”, pondera o urbanista.
O deputado Agaciel Maia (PL) observa que o objetivo da celeridade dos trabalhos é levar o projeto para análise, na terça-feira de manhã — antes da votação no Plenário — na Ceof, de onde é presidente, e na CCJ. “As equipes técnicas estão debruçadas sobre o assunto. Tem um grupo de deputados favorável à votação, e outro, não. Os que são contra, porém, não são maioria, tanto que a reunião de líderes decidiu pela votação na terça-feira (passada)”, destaca o distrital.
Agaciel Maia acrescenta que a apreciação da proposta depende da análise das duas comissões e salienta que um dos tópicos que tem gerado discordância é a retirada de clínicas e hospitais em áreas residenciais de Ceilândia. “O projeto tem de ir ao Plenário razoavelmente pacificado. Os parlamentares têm direito a propor emendas, mas pedimos aos colegas que não as apresentassem no Plenário durante a votação, porque inviabiliza a análise de assuntos que são complexos”, argumenta.
Expectativas
Líder da maioria, o deputado Rodrigo Delmasso (Republicanos) acredita que o projeto está pronto para ser votado. “A maior parte das emendas é de adequação de localidades. Alguns catadores, por exemplo, me pediram que incluísse a área onde estão na lei, porque têm dificuldades para tirar licença de funcionamento. Isso também acontece com igrejas que ocupam, há tempos, uma área teoricamente não permitida, então, não conseguem o alvará de funcionamento”, cita o parlamentar.
Um dos interessados na aprovação das mudanças na lei é o setor da construção civil. João Gilberto Accioly, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon), explica que a Luos é a legislação que rege as atividades do segmento. Para Accioly, as emendas, embora cabíveis, não são urgentes. “São demandas que propõem parâmetros e usos fora do que foi estudado e que, portanto, precisam de avaliações técnicas bem mais profundas”, considera.
João Gilberto Accioly avalia que há propostas que não deveriam ser priorizadas. “Alterar usos e gabaritos — como alturas, taxa de ocupação, permeabilidade do solo e potencial construtivo — é polêmico. Mexer nisso, agora, é prematuro e não é o mais urgente. Precisamos resolver pontos que dificultam, por exemplo, a obtenção de alvarás de funcionamento e licenciamentos. São falhas na lei que precisam ser resolvidas para a atividade do nosso setor melhorar”, defende o vice-presidente do Sinduscon.
Alterações
Veja algumas mudanças na revisão da Luos, enviada pelo Executivo, propostas pelos deputados
Emenda 13: mantém a taxa de permeabilidade (áreas verdes ou espaços permeáveis, dentro do lote, livres de revestimento ou pavimentação, que permitam a infiltração da chuva e a consequente alimentação das águas subterrâneas) em lotes inferiores a 2 mil m².
Emenda 46: permite a continuação de atividades de assistência social em residências coletivas e particulares.
Emenda 55: propõe pontos de recarga de carros elétricos em estacionamentos e garagens privadas com mais de 200 vagas.
Emendas 99, 100 e 101: permite regularização do local de atuação de cooperativas de reciclagem de resíduos, em Ceilândia e no Varjão.
Emenda 111: mantém a altura máxima das edificações nos Lagos Sul e Norte e no Park Way em 8,5m, em vez de 9,5m, como a revisaõ da Luos sugere
Emenda 112: proíbem atividades econômicas e institucionais, usos comercial e prestação de serviços nas áreas residenciais dos Lagos Sul e Norte e do Park Way.
Ocupação
A Luos é a norma que define as regras para ocupação das unidades imobiliárias na parte urbana das cidades do DF, exceto os locais tombados. A lei fixa, por exemplo, área e altura máximas que edificações podem ter, além de delimitar o uso para elas — comércio, habitação, serviços. A Luos é um instrumento complementar do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) e deve estar compatível com ele. O texto em debate na CLDF, de autoria do Poder Executivo, foi enviado à câmara em 2 de dezembro de 2020 e lido seis dias depois. O tema, porém, é debatido entre Legislativo, especialistas, gestores públicos, sociedade civil e empresários desde 2019. A edição em vigor é de 2018.
Fonte: Correio Braziliense