Após ano ruim nas vendas, empregadores temem aumento de gastos com benefícios. Pela lei, patrões custeiam parte do vale-transporte; governo diz não ter solução para ‘efeito colateral’.
O Reajuste das passagens de ônibus e metrô no Distrito Federal, em vigor desde segunda (2), deixou empresários da capital em alerta com o aumento dos gastos de vale-transporte. Após um ano de rendimentos baixos, entidades e associações ligadas à indústria e ao varejo calculam que, se mantida, a medida pode levar a cortes de funcionários em todos os setores produtivos já em fevereiro.
O empresário Sebastião Abrita, de 46 anos, diz que vai precisar demitir pelo menos um dos dez funcionários que emprega em um comércio na 409 Sul, no Plano Piloto. Todos dependem justamente das linhas de ônibus que sofreram o maior reajuste: passaram de R$ 4 para R$ 5. Com a mudança, os gastos obrigatórios de Abrita com transporte subiram 25% do dia para a noite.
“Sou um empresário de pequeno porte e não tenho condições de aumentar minhas despesas assim, de uma hora para a outra. Ainda mais depois de um ano tão ruim como foi 2016. No ano passado, o governo já subiu a tarifa de água em 40%”, afirmou.
“Não posso aumentar o valor dos produtos, senão não consigo vender. Mas, se eu não aumentar, vou ficar no prejuízo. A solução é demitir.”
Em entrevista ao G1, o secretário adjunto do Trabalho, Thiago Jarjour, admitiu que não há nenhum plano de governo para evitar efeitos colaterais como esse. “Estão tendo muitas conversas ainda, o governador busca um entendimento com a Câmara Legislativa para ver outras formas e não ter aumento. Dentro da Secretaria de Trabalho, não temos como driblar [essa questão]”, declarou.
20 contra um
Um cálculo feito pela Associação Comercial do DF mostra que, com o aumento das tarifas, um empregador médio precisaria demitir um funcionário a cada 20 para manter as contas equilibradas.
“Tudo joga contra o empresário do DF. Não há segurança, mobilidade, transporte nem incentivo fiscal. Qualquer gasto novo é a gota d’água”, afirmou Kleber Pires, o presidente da entidade.
Segundo dados da Federação do Comércio de Bens, Serviço e Turismo do DF (Fecomércio), há 94,3 mil empresas ativas na cidade. A maioria delas é composta por negócios de pequeno e médio porte, que estão mais ameaçados com o reajuste.
Pela lei trabalhista, o empregador é responsável por custear parte do vale-transporte dos funcionários que optarem por recebê-lo — a regra limita em 6% o desconto no salário integral dos funcionários para bancar passagens.
Um empregado que ganha o salário mínimo, por exemplo, cujo valor atual é de R$ 937, só pode ter descontado R$ 56,22 do salário para custeio de vale-transporte. Caso o trabalhador dependa das linhas de longa distância ou do metrô do DF, em que as tarifas chegam a R$ 5, o empregador precisará desembolsar R$ 204 a mais para garantir 26 dias mensais de trabalho.
Substituição de funcionários
Segundo o presidente da Fecomércio, Adelmir Santana, outro efeito do reajuste será a substituição de funcionários que moram longe do local de trabalho por profissionais que residem mais perto. Da mesma forma, ele afirma que os recrutamentos de novas vagas vão se concentrar em funcionários cujos gastos com transporte sejam os menores possíveis.
“Os empresários vão buscar alternativas para cortar gastos, e essa vai acabar sendo uma delas. Me parece óbvio que, diante de uma crise, o empresário opte pelo menor gasto possível para não ter de fechar as portas depois”, ponderou Santana.
“Embora seja discriminatória, é praticamente impossível impedir [que contratações priorizem funcionários que morem perto do trabalho]. Isso não vai estar escrito em nenhum anúncio.”
Aumento
Os valores das passagens de ônibus e metrô no DF passaram de R$ 2,25 para R$ 2,50 nas linhas circulares e alimentadoras do BRT (aumento de 11%); R$ 3 para R$ 3,50 (aumento de 16%) em linhas metropolitanas “curtas”; e de R$ 4 para R$ 5 (aumento de 25%) no restante das linhas, além do metrô. O anúncio foi feito no último dia útil de 2016 e entrou em vigor dois dias depois.
As novas tarifas estão entre as mais caras do país. Na comparação com o primeiro semestre de 2015, a passagem mais cara já acumula alta de 66%. Com a mudança, o governo estima conomizar R$ 180 milhões. Este é o segundo aumento nas passagens ocorrido na gestão de Rollemberg, que assumiu o Buriti em 2015. O anterior ocorreu em setembro de 2015.
A Câmara Legislativa estuda agora uma maneira de derrubar o decreto do governador que garantiu os reajustes. Uma sessão extraordinária entre os parlamentares foi convocada para a próxima quinta (12) para discutir o tema. Uma ação do PMDB questionando a legalidade da medida também aguarda decisão judicial no Tribunal de Justiça do DF.