Integrantes da quadrilha foram detidos em uma operação da Polícia Civil do DF, que envolveu a prisão de outros criminosos – (crédito: PCDF/Divulgação)
Com pouco mais de 45 mil moradores e caracterizada pela extrema pobreza, a Estrutural carrega, há décadas, problemas como falta de infraestrutura, saneamento básico e regularização fundiária. A situação precária facilitou a ação de uma associação criminosa envolvida na prática de crimes graves, como estelionato, falsificação de escrituras e documentos públicos, porte ilegal de armas de fogo, tráfico de drogas, ameaças, injúrias e lavagem de dinheiro. Em quase dois anos, um grupo formado por cinco homens invadiu ao menos 15 casas e expulsou moradores sob ameaça de morte. Apontado como o chefe do esquema, Ederson França Cavalcante, 27 anos, conhecido como “Chininha”, e temido na região, estava foragido desde julho de 2021 e foi preso pela Polícia Civil do DF (PCDF) em 4 de abril. O Correio teve acesso a documentos e processos que detalham como funcionava os criminosos atuavam, e entrevistou vítimas que caíram na armadilha.
A PCDF iniciou a investigação do grupo em julho do ano passado, quando os policiais da 8ª Delegacia de Polícia (Estrutural) começaram a receber inúmeras denúncias similares: a invasão e a tomada de lotes na região. Ederson França, Wesley Carvalho Bezerra (o “Instalação”, braço direito de Ederson), Luis Antenor Cruz Silva, Jeferson Santos Teixeira e Pedro Henrique Ribeiro de Souza agiam da mesma maneira. Sem limite ou medo, os acusados escolhiam vítimas mais vulneráveis, como idosos ou mulheres chefes de família. Em seguida, criavam subterfúgios para tomar posse dos imóveis.
Como consta nos autos do processo, entre 2 de abril e 28 de junho de 2021, mãe e filha, moradoras do Setor Norte da Estrutural, viveram momentos de terror nas mãos dos criminosos e tiveram que sair da residência às pressas. Com o objetivo de tomar a propriedade das vítimas, Wesley criou uma artimanha: colocou o próprio sobrinho no telhado da casa da família. O menino caiu e se feriu, o que motivou o criminoso a acusar a dona de ter deixado um fio de energia no telhado e ameaçou: “Você vai pagar por isso”.
Venda
Os criminosos ficaram em posse da casa da mãe e filha por poucos dias e logo anunciaram a venda por R$ 70 mil, valor abaixo do mercado. Inocentemente, duas mulheres souberam do comunicado e compraram a propriedade. O Correio entrevistou uma das compradoras, que, sem se identificar, contou os detalhes da negociação. Como pagamento, a mulher deu um Honda Civic avaliado em R$ 40 mil, uma motocicleta e R$ 10 mil. “Quando comprei, eles me deram a procuração. Me deram tudo e eu realmente achei que estava agindo na legalidade. Quando me mudei, ainda gastei com reforma”, relatou.
A negociação não gerou qualquer desconfiança das mulheres, uma vez que os criminosos levaram as duas até o Cartório de Valparaíso de Goiás, onde fizeram uma cessão de direitos da casa e pagaram R$ 150. Na ocasião, Chininha se passou pelo comparsa Jeferson e assinou a documentação. Segundo as investigações da PCDF, seria uma forma dele disfarçar o envolvimento no estelionato. “Os criminosos ofereceram à elas, ainda, uma ‘escritura pública’, que era falsa”, detalhou o delegado Luiz Gustavo.
“Eles cobraram R$ 2,5 mil pela escritura. Achei caro, mas o próprio Chininha me ligou e disse que iria pagar e, quando eu recebesse, poderia repassar o valor. Então, vi uma oportunidade de ter o documento. Como minha mãe morreu e tinha me deixado uma casa, tirei do dinheiro da venda dessa casa para poder pagar”, contou a vítima.
Luís Antenor, integrante da quadrilha, ficou encarregado de falsificar a escritura. À época, ele prestava serviços em um escritório imobiliário do Recanto das Emas, e foi lá que, supostamente, criou e manipulou o documento, sem o consentimento do chefe. A escritura ostentava até o timbre de um Cartório de Alexânia (GO) e teria sido registrado no Livro 185, do 2º Ofício de Notas, Protesto, Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos. Policiais civis chegaram a cumprir mandado de busca e apreensão na imobiliária onde foi falsificada a escritura e apreenderam computadores, tablets, celulares, além de recibos e papéis.
“Não tenho vínculo”
A reportagem esteve na imobiliária e procurou o dono, mas ele não estava. Por telefone, o empresário negou que Luís Antenor trabalhou na empresa e que, em 2020, ele fez um serviço de serralheiro em uma propriedade rural dele, além de serviços de pintura em imóveis de clientes do escritório. “Não tenho vínculo nenhum com essa pessoa. Em relação a busca e apreensão, sem sombra de dúvidas, foi abuso de poder. A própria Justiça mandou devolver todos os equipamentos apreendidos, sem sequer fazer a perícia. Já estamos providenciando uma ação reparatória”, frisou. Ainda de acordo com ele, Antenor contou mentiras em depoimento e afirmou que processará o acusado por calúnia, difamação e falso testemunho.
Após se mudarem para a casa, as amigas souberam por vizinhos que a verdadeira moradora, na verdade, havia sido expulsa por criminosos. Mas o negócio já estava feito e o dinheiro havia sido repassado ao grupo. Antenor chegou a enviar um motoboy à casa para entregar a falsa escritura. No mesmo dia, Antenor foi localizado e levado à delegacia e os policiais foram até a residência e contaram às vítimas que elas haviam caído em uma armadilha. “Nosso chão caiu. Era algo que eu estava investindo e que achava que era meu. Perdi tudo e era tarde demais. Tivemos que sair de casa e fomos morar de favor, até conseguir um aluguel. Até hoje, tomo remédios antidepressivos por causa dessa situação”, desabafou.
O Honda Civic oferecido como pagamento aos criminosos foi recuperado, após a Justiça deferir a decisão de apreensão do veículo. O carro foi abordado pela polícia na Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia) e estava sendo conduzido por um homem. Aos policiais, o motorista alegou ter comprado o automóvel de uma outra pessoa em Valparaíso (GO). A família que teve a casa invadida conseguiu recuperar o imóvel.
“Todos estão presos, o que diminui um pouco mais essa ação criminosa e dá um pouco mais de tranquilidade aos moradores. Apesar disso, nós seguimos com as investigações, uma vez que esse tipo de crime acontece com frequência e causa enormes prejuízos”, finalizou o delegado
Fonte: Correio Braziliense