O equipamento público não acompanhou a evolução da população. Pelo contrário, o Hospital Regional de Ceilândia é o retrato da obsolescência. Faltam profissionais, a estrutura é precária, a espera é sempre longa e as filas de operações parecem não ter fim. A promessa é que a contratação de organizações sociais para administrar unidades de atenção básica desafoguem o hospital e a situação melhore.
A primeira região a receber o novo modelo de gestão é justamente Ceilândia. A Secretaria de Saúde estima que 65% dos pacientes que buscam as emergências dos hospitais do DF poderiam ter os problemas resolvidos com atenção primária e estratégia de saúde da família, nos centros de saúde ou nas UPAs. Assim, as melhorias nesses setores afetariam diretamente os hospitais sem gestão de OS.
Sempre lotado
O HRC é alternativa para os quase 500 mil habitantes da cidade, além dos pacientes da Região Metropolitana, que representam cerca de 30% dos atendimentos, especialmente de Águas Lindas e Padre Bernardo. Ali, a sala de espera do Pronto Socorro sempre está cheia de pessoas como a chapeira Flávia de Souza, 23 anos.
Com sintomas de dengue, chikungunya e zika, a paciente passou mais de sete horas esperando. “Cheguei de manhã, mas parece que só terá clínico geral à noite. É sempre assim”, reclamou.
Flávia acredita que só vale a pena recorrer aos serviços médicos da cidade em casos extremos. “Essa história de organização social, se servir para melhorar para nós, vai ser bom. O que importa é que a gente paga caro e, até hoje, não teve direito a uma saúde digna”, bradou.
Faltam médicos, sobram pacientes
Segundo a Secretaria de Saúde, o Hospital de Ceilândia conta com 1.578 profissionais e um déficit de 836: 140 enfermeiros, 467 técnicos de enfermagem e 229 médicos. Por falta de funcionários, nem a triagem de pacientes é feita.
Por conta disso, aos 77 anos, Maria Carrilho não conseguiu atendimento. Com pressão alta e diarreia, esperou por quase dez horas nas cadeiras da emergência. “Minha mãe nem almoçou. Ninguém dá satisfação. Desde cedo nenhum paciente é chamado. Sem a triagem não dá nem para cogitar quanto tempo ainda vamos esperar. É um descaso, estamos abandonados aqui”, desabafou a filha Maria Aparecida, 36 anos.
“É humilhante”
Com excesso de pacientes e poucos profissionais, até as viaturas do Corpo de Bombeiros e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) sofrem. “Clínico geral é o mais difícil, às vezes a gente tem que peregrinar pelos hospitais. Sempre enfrentamos problemas”, revelou um atendente.
Nos corredores, pacientes dizem ver pessoas colocadas em macas, sem conforto nem privacidade. “Tem muita gente espalhada e muitas macas que sequer têm forro. As que tem, a gente vê que trouxeram de casa. Também não tem cobertor. A gente só vem porque não tem outro jeito. É humilhante”, lamentou Francisca das Chagas, chapeira de 47 anos.
Com artose no pé, a dona de casa Luiza Vidal, 62 anos, é paciente constante. “Faço raio-X, tomo medicação e volto para casa. Às vezes falta um médico ou outro, às vezes não tem nenhum e a gente tem que esperar por horas a fio. Cheguei às 10h. São 15h e não vi nenhuma pessoa ser chamada”, relatou.
Enquanto isso, mais de duas mil pessoas esperam por cirurgia: 900 da cirurgia geral, 550 eletivos e 54 internados da ortopedia, e 500 na ginecologia.
Partos além da capacidade
O HRC tem uma média de 600 partos mensais, mas corre o risco de deixar de atender as gestantes. “É um hospital que não é preparado para o grande volume de pacientes que recebe. Ainda tem problemas estruturais no prédio e déficit de recursos humanos. Para excelência no atendimento, é preciso investimento em todos esses pontos porque todos os fatores prejudicam a população e sobrecarregam os funcionários”, diz Elissandro Noronha dos Santos, presidente interino Conselho Regional de Enfermagem (Coren-DF).
Segundo o governo, são 62 profissionais na UTI Neonatal e 111 na obstetrícia, entre médicos, enfermeiros, equipes administrativas e outros profissionais de nível superior. Mas os sindicatos demonstram déficit na escala médica de 140 horas semanais, na enfermagem chega a 200 horas e 440 horas na fisioterapia.
A Secretaria de Saúde admite que as instalações e o quantitativo de recursos humanos “estão aquém da necessidade da demanda, cada vez maior, correspondente ao crescimento populacional da região”.
Com a superlotação, “as condições de trabalho e a assistência ao usuário ficam realmente comprometidas”. Apesar disso, a pasta afirma que desde fevereiro acontecem reuniões para trabalhar o tema e garante que tem agido de forma a solucionar os gargalos atuais da Saúde no DF.
Sem manutenção
Nem todos os equipamentos da unidade tem contrato de manutenção ativo. A Secretaria de Saúde não revelou ao JBr. quais e quantos são. “Alguns aparelhos, como camas elétricas, material odontológico, bombas de infusão, estão sem esta cobertura”, limitou-se a dizer, esclarecendo que “alguns deles” passam por manutenções corretivas pontuais.
De acordo com a pasta, há atuação para que todos os 60 mil equipamentos da rede do DF tenham cobertura contratual. A Subsecretaria de Logística e Infraestrutura estaria finalizando um levantamento para atualizar a base de informações dos equipamentos, modelos e especificidades. Só depois disso, os contratos devem ser firmados.
Servidores da área criticam novo modelo
As entidades de Saúde se posicionam contra a gestão por OSs desde o início da sondagem do GDF. Para Marli Rodrigues, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde), por exemplo, a contratação de OSs servirá como cobertura para a criação de “currais eleitorais, cabides de empregos e esquemas para favorecimento de empresários”.
A atenção primária e as UPAs, acredita Marli, podem ser reforçadas com o emprego de servidores do quadro atual e com o melhor uso dos recursos disponíveis. Por outro lado, o titular do Coren, Elissandro Noronha, acredita que uma melhoria na atenção primária até que poderia favorecer a secundária, mas pensa ser necessário mudar a gestão. “É enxugar gelo. O receio existe porque a maior parte dos lugares que adotaram a gestão não tiveram sucesso”, afirma.
JBr