Nos últimos meses, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) consideradas controversas vêm causando turbulências no mundo político e no meio jurídico. A corte é alvo de críticas no Congresso Nacional e há risco, inclusive, de se tornar o centro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre abusos do poder Judiciário. Entre os deputados e senadores indignados com o tribunal, estão, principalmente, os governistas.
A polêmica mais recente gira em torno da prisão em segunda instância. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, pretende levar à Corte, ainda em outubro, três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que questionam a possibilidade de prisão após condenações em segunda instância. Se os ministros decidirem que a restrição de liberdade do réu nesses casos é inconstitucional, presos com recursos em tribunais superiores devem ser liberados em todo o país. A medida poderá beneficiar o ex-presidente Lula.
Toffoli também pode marcar, para a mesma sessão, a votação que vai fixar a tese sobre quem será beneficiado com a possibilidade de anular condenações em decorrência da ordem em que foram apresentadas as alegações finais nos julgamentos da Lava-Jato. Em outro caso, em março deste ano, o presidente do Supremo anunciou a abertura de um inquérito para investigar “ataques e fake news contra a Corte”. O ministro Alexandre de Moraes foi nomeado relator do caso. A medida, que já começou polêmica, levantou ainda mais controvérsia quando o próprio STF emitiu mandados de busca e apreensão e determinou que fossem cumpridos pela Polícia Federal. Os primeiros alvos foram cidadãos comuns e autoridades, como o general do Exército Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal nas eleições do ano passado.
O ponto mais turbulento do inquérito ocorreu quando o Supremo determinou a retirada do ar de duas reportagens que criticavam Toffoli. Na determinação, havia a informação de que se tratavam de informações falsas. No entanto, o conteúdo da publicação, que ligou Toffoli à lista da Odebrecht, revelou-se verdadeiro em poucos dias. A medida foi suspensa após um documento com esse teor ser identificado no curso das investigações.
O mesmo inquérito foi utilizado no fim do mês passado para a determinação de um mandado de busca contra o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que afirmou ter entrado armado no Supremo para matar o ministro Gilmar Mendes. As declarações foram suficientes para que Janot recebesse, em casa, uma equipe da PF, que recolheu computadores, celulares e uma arma de fogo que ele utilizava, com autorização do poder público.
Homofobia
Em junho, ao analisar uma Ação Direta por Omissão (ADO), o Supremo decidiu equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo. A Corte entendeu que o Legislativo demorou para estabelecer punições para quem comete ataques verbais ou físicos contra integrantes da comunidade LGBT. Uma série de parlamentares, ligados à bancada evangélica ou da base do governo, fizeram uma romaria até o Tribunal para tentar barrar o avanço do julgamento.
Com a medida aprovada, parlamentares chegaram a ameaçar suspender a decisão via decreto legislativo. Uma das adversárias da Corte no Congresso, a vice-lider do PSL na Câmara, Bia Kicis (DF), chama a atuação dos magistrados de “ativismo judiciário”.
“Na questão da criminalização, o STF desconsiderou o mais basilar princípio do Direito Penal. Não existe crime sem lei anterior que o defina. Isso é uma violação. O brasileiro não tem mais a segurança de que uma atitude sua não possa ser considerada crime pelo judiciário, mesmo sem lei”, argumentou. Segundo ela, há um grupo de parlamentares trabalhando em um projeto de lei que dê poder para o Congresso sustar “decisões judiciais que ultrapassem o limite do Supremo e invadam as atribuições do Legislativo”.
Luz à polêmica
O jurista Adib Abdouni, pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade Sorbonne (França), entende que, mesmo diante das polêmicas, o Supremo apenas cumpriu obrigações legais e atuou dentro dos limites previstos na Constituição, inclusive no episódio do inquérito aberto por Toffoli. “Dentro do contexto, havendo ameaça a algum membro do Supremo, ele é competente para instaurar esse inquérito e requerer que a Polícia Federal investigue o caso. A partir do momento em que membros do STF se sentem ameaçados, não existe impedimento. Mas é claro que precisa ter critérios. Entendo que a busca e apreensão do Rodrigo Janot foi viável, porque a manifestação dele gera um risco, induz ao crime”, disse.
Sobre a criminalização da homofobia, para o especialista, o Judiciário agiu para fechar uma lacuna deixada pelo Congresso. “O crime de racismo é previsto na lei e a homofobia pode ser interpretada dessa forma. É uma questão de gênero, que cabe, sim, adequar à norma penal. A ADO (Ação Direta por Omissão) está prevista na lei, pode ser feita. Em toda omissão do Legislativo, o Judiciário precisa adequar. Só não pode ir contra a legislação. Essa medida deu um impacto positivo na sociedade.”