Vinícius Neres é julgado por homicídio quadruplamente qualificado, feminicídio e ocultação de cadáver. Entre as testemunhas, uma estudante e uma professora da UnB além dos pais de Neres e de Louise.
Começou na manhã desta segunda-feira (3) o julgamento do ex-estudante de biologia da Universidade de Brasília (UnB) Vinícius Neres, que confessou ter matado a ex-namorada Louise Ribeiro. Neres foi preso em flagrante em março do ano passado após asfixiar e queimar o corpo da universitária. Ele cumpre prisão preventiva no Complexo Penitenciário da Papuda desde então e a sentença será decidida por um júri popular.
Neres é julgado por homicídio quadruplamente qualificado, por motivo fútil, meio cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio, além de ocultação de cadáver. Durante a sessão, serão ouvidas quatros testemunhas comuns — um policial, uma estudante e uma professora da UnB e o pai de Louise — e duas testemunhas de defesa — o pai de Neres e um agente penitenciário.
Antes de começar o julgamento, estudantes de direito, parentes dos envolvidos e curiosos formavam uma fila que deu a volta no prédio do Tribunal do Juri, na Asa Sul. Foi liberada a entrada de cerca de 150 pessoas para assistir ao julgamento.
A primeira etapa foi em junho do ano passado, quando a Justiça convocou uma audiência para ouvir depoimentos. Desde então, Neres esperava pela decisão do Ministério Público sobre arquivar o processo ou levá-lo a júri popular – que foi o que aconteceu.
Dos 25 jurados convocados para a sessão, foram escolhidos sete. A seleção foi por sorteio e cada uma das partes envolvidas no processo — o Ministério Público e a defesa do réu — tiveram direito a três vetos. A advogada de Neres recusou três mulheres sorteadas. A mesa de julgamento acabou composta por três homens e quatro mulheres.
Colegas
Uma estudante de biologia da UnB, com quem Neres participava de um projeto de pesquisa, afirmou que ele pediu para que ninguém entrasse na sala no período da tarde porque “ia vedar as janelas com papel para um experimento fotossensível [que não pode ser exposto à luz]”. Como participavam do projeto, os dois tinham as chaves do laboratório.
Durante o depoimento, ela leu a mensagem que Neres enviou quando fez o pedido. No dia seguinte, os dois se encontraram na UnB no intervalo das aulas e, segundo a estudante, Neres “estava bem nervoso”.
“Ele me disse que estava preocupado com a Louise, porque tinha combinado de se encontrar com ela na noite anterior e ela não tinha aparecido.”
A estudante disse também que Neres e Louise eram “muito amorosos” e se comportavam como namorados. “Era um amigo, bem estudioso e inteligente, mas bastante formal no modo de falar.”
No dia seguinte ao crime, antes da polícia chegar ao campus, os professores do Instituto de Biologia chamaram Neres para assistir as imagens da câmera de segurança, que mostravam Louise entrando no laboratório acompanhada por ele.
Liberação do laboratório
A professora da UnB Carla Medeiros, que coordenava o projeto de pesquisa do qual Neres participava, afirmou em depoimento que autorizou a utilização da sala depois de oito meses de convivência com o ex-estudante em atividades do projeto.
“Ele era um biólogo em formação e nós trabalhamos com experimentação. Eu autorizei e pedi que ele avisasse os colegas da pesquisa. Já trabalhei com fotografia, eu entendia o que ele estava me pedindo.”
Segundo ela, Neres era um aluno respeitoso. “O Vinícius sempre me tratou sempre com cortesia. E era muito estudioso, o próprio histórico dele revela isso. Nunca tive nenhum problema com ele.”
Câmeras de segurança
A professora disse que, quando chegou ao Instituto de Biologia na sexta-feira, 11 de março (um dia depois do crime), entrou no laboratório e não notou “nada fora do lugar”. Uma estudante que trabalhava no projeto de pesquisa — que foi testemunha no julgamento — teria lhe avisado sobre a preocupação dos professores com o sumiço de Louise.
“Fui eu que pedi para assistir às gravações das câmeras,” disse Carla. “A informação que recebi era de que a Louise tinha marcado um encontro com Vinícius na noite anterior lá no departamento. E, antes, ele havia me dito que estaria incomunicável na sexta pela manhã porque estaria em uma audiência de julgamento.”
A professora ligou para Neres que, “surpreendentemente”, a atendeu. “Quando ele chegou na UnB, ele disse que não sabia onde estava a Louise e começou a chorar.”
“Quando vi as imagens da câmera, vi a Louise chegando ao departamento e dando um abraço carinhoso no Vinícius. Foi aí que eu vi que tinha algo de errado [na história]. Meu mundo caiu.”
Segundo o pai de Louise, no mesmo dia, Neres ligou para ele “esboçando choro” e perguntou o que havia acontecido com ela. O pai devolveu a pergunta.
“Eu é que te pergunto. Você foi a última pessoa que esteve com a minha filha. Ele mudou a voz na hora e disse que não havia se encontrado com ela.”
Relacionamento
Segundo a professora Carla Medeiros, Louise e Neres eram um “casal apaixonado”. Já de acordo com o pai da vítima, Ronald Ribeiro, a filha nunca falou sobre Neres como namorado. “Em outubro de 2015, quando ele esteve na minha casa, foi apresentado como um colega de faculdade”, disse em depoimento.
Segundo Ribeiro, em 2016, a filha foi aprovada em um estágio no Ibama e Neres teria “desdenhado dela, por ser um órgão público”. “Ele esteve no nosso prédio para conversar com ela, mas a Louise não quis recebê-lo. Ele nem passou pelo portão.”
Confissão
Vinícius Neres confessou o crime ao policial militar Daniel Vilar Silva, que fazia patrulhamento na UnB e foi chamado pela segurança da universidade para procurar Louise, assim que os professores e colegas perceberam que a estudante havia desaparecido.
O policial afirmou ao júri que Neres aparentava estar receoso naquela sexta-feira. “Ele me chamou para conversar em um canto e disse ‘eu vou confessar. Fui que matei’.”
“Isso é algo que a gente não vê todo dia, um réu confesso. Geralmente as pessoas tentam se furtar do crime. No primeiro momento, eu duvidei. Achei até que fosse uma piada de mal gosto.”
Motivação
No laboratório, Neres teria explicado a dinâmica do crime ao policial e mostrado as substâncias usadas para asfixiar e queimar Louise. “Ele me disse que tinha estudado química e sabia que clorofórmio fazia romper vasos de sangue no rosto. Por isso, colocou uma sacola plástica na cabeça da Louise para não vazar sangue no trajeto até o carro.”
Segundo o policial militar, Neres contou que sentiu um impulso homicida quando encontrou Louise, mas “não relatou o motivo do crime”. O estudante também teria dito que pretendia se suicidar. “Ele me disse que foi até a Ponte do Bragueto, mas não teve coragem de se jogar.”
Durante o julgamento, o promotor questionou a testemunha sobre o “estado de ânimo” de Neres no momento em que descreveu o crime.
“Calmo, agindo de forma natural e tranquila. Aparentemente sem remorso algum”, respondeu o policial.
Relembre o caso
De acordo com a investigação, Louise foi dopada com clorofórmio e, depois de inconsciente, o produto químico foi injetado na boca da jovem. O produto tóxico foi apontado como causa da morte. De acordo com o policial militar a quem Neres confessou o crime, ele “pressionou os maxilares de Louise e injetou meio litro de clorofórmio na garganta dela”.
A estudante também teve as coxas, genitália e o rosto queimados. “Essas partes e o rosto estavam carbonizados quando encontramos o corpo”, disse o policial.
Em depoimento, Neres afirmou ter colocado a vítima sentada com as mãos amarradas. Segundo a polícia, Neres pressionou o pescoço de Louise para que pudesse abrir a garganta da estudante que assim foi obrigada a ingerir o líquido.
Segundo a investigação, Vinícius Neres prendeu os pés e as mãos da ex-namorada e enrolou o corpo dela em um colchão inflável. Depois, levou o corpo no carro da jovem até uma área de cerrado no Setor de Clubes Norte, e abandonou o cadáver na mata.
Segundo o policial a quem Neres confessou o crime, Daniel Vilar Silva, um dia após o assassinato, o próprio estudante levou a equipe da Polícia Militar ao local onde ele havia deixado o corpo de Louise. “Ela estava parcialmente despida, só de calcinha e com o rosto queimado coberto por uma sacola plástica”, disse em testemunha durante juri popular.
As roupas de Louise não foram encontradas. O policial disse ainda que o corpo da jovem foi encontrado com um arame nas pernas e um lacre de plástico nas mãos.
Depois do crime, Neres ainda teria saído para dar uma volta no carro dela pelas proximidades da UnB. O passeio teria durado cerca de 12 minutos. O ex-estudante disse à polícia que chegou a tirar a calcinha da vítima e um absorvente interno, mas “decidiu” não violentá-la.
O carro de Louise foi abandonado no estacionamento do Instituto de Biologia e Neres voltou para casa de ônibus, segundo informações dadas por ele mesmo em depoimento à Polícia Civil.
Crime premeditado
Depoimentos prestado em junho à Justiça indicaram que Neres reservou, com uma semana de antecedência, o laboratório onde Louise foi morta asfixiada com clorofórmio.
De acordo com as testemunhas, Neres informou a colegas e professores que faria um “experimento fotográfico” naquela semana, com materiais sensíveis à luz. Com esse argumento, ele conseguiu autorização para tapar as janelas e impedir a entrada de outras pessoas no espaço.
Segundo a defesa de Neres, ele e Louise tiveram um relacionamento de dois meses, embora o réu tenha dito que o namoro durou nove meses. Na época do crime, disse que ainda era apaixonado pela estudante. O jovem alegou que teve um “ataque de fúria” quando Louise, que se recusava a reatar o relacionamento, quis abraçá-lo.