É um velho clichê, mas preciso: desastres não são causados ??por um único erro. Várias coisas precisam dar errado ao mesmo tempo para uma tragédia acontecer.
Isso parece ser exatamente o que ocorreu na tarde de sábado (23/4) na costa de Hokkaido, no norte do Japão.
A Península de Shiretoko é um lugar espetacular. Localizada no norte do Pacífico, ela é coberta por montanhas densamente arborizadas com cachoeiras que caem de penhascos altos direto para o oceano.
A metade norte da península é um parque nacional e patrimônio mundial. É também o lar da maior população japonesa de ursos-pardos-de-ussuri, parentes próximos do urso-pardo-norte-americano (também chamado de urso-cinzento ou urso-grisalho).
Além da beleza natural estonteante, são os ursos que os turistas vêm ver. E a maneira mais fácil de vê-los é de barco. Algumas empresas afirmam ter uma taxa de sucesso de 90% a 95%.
Por volta das 10h da manhã de sábado, o barco de turismo Kazu 1 saiu do pequeno porto de pesca de Utoro — em direção à península.
A embarcação tinha capacidade para 65 passageiros, mas no sábado apenas 24 turistas estavam a bordo. Eles vieram de diversas partes do Japão. Havia duas crianças pequenas, uma de apenas três anos.
O tempo estava ruim. Havia ventos fortes e ondas de três metros.
Sinais de alerta
Enquanto o Kazu 1 se dirigia para o norte em mares tempestuosos, os barcos de pesca locais estavam indo na outra direção, retornando ao porto para se abrigar.
O capitão de outro barco de turismo alega ter dito ao capitão do Kazu 1 que era muito perigoso sair. Mas teria sido ignorado.
O capitão do Kazu 1 era inexperiente em pilotar no mar.
De acordo com a imprensa japonesa, ele tinha treinamento para operar barcos nos lagos, mas acabou contratado pela empresa Shiretoko Pleasure Cruise para substituir os capitães mais experientes que haviam sido demitidos pelo proprietário.
A empresa já estava sob investigação após dois incidentes de segurança anteriores, incluindo um encalhamento, em 2021.
Pouco depois das 13h de sábado, a guarda costeira recebeu um pedido de socorro. O Kazu 1 estava à deriva com o motor quebrado e entrando na água perto das Cataratas de Kashuni.
Este é um pedaço particularmente acidentado da península, com poucas praias e falésias que mergulham direto no mar.
Em abril a água ainda está muito fria, apenas alguns graus acima de zero.
Pode-se pensar que no Japão, onde a segurança é quase um lema nacional, um barco de passageiros operando em águas geladas seria obrigado a ter botes salva-vidas a bordo.
Mas não. Esse não é um requerimento legal para esse tipo de embarcação.
O Kazu 1 tinha apenas coletes salva-vidas e flutuadores para os passageiros segurarem. Mergulhado nas águas geladas do norte de Hokkaido em abril, um adulto médio não sobreviveria mais de uma hora, dizem os especialistas. Uma criança muito menos.
O primeiro helicóptero da guarda costeira só chegou às Cataratas de Kashuni mais de três horas após o primeiro pedido de socorro ter sido recebido.
A costa nordeste de Hokkaido é conhecida como um “ponto cego” para os serviços de resgate.
A base de helicópteros mais próxima fica a 160 km de distância. Mas no sábado o helicóptero da guarda costeira mais próximo estava em outra operação.
Ele teve que voar de volta para sua base, reabastecer e depois seguir para o norte, para Shiretoko. No momento em que chegou, havia apenas 90 minutos de luz do dia restantes.
No momento da conclusão desta reportagem, há 15 passageiros e tripulantes ainda desaparecidos. Uma intensa busca continua.
Mas qualquer esperança de encontrar alguém vivo já se foi. Ela deu lugar à raiva e à autorreflexão.
Questões importantes precisam ser respondidas: Por que um capitão inexperiente foi autorizado a entrar no mar em condições traiçoeiras com equipamentos de segurança completamente inadequados rumo às águas geladas do norte do Japão?
Fonte: Correio Braziliense