À medida que as restrições relacionadas à pandemia começam a ser levantadas e emergimos das sombras dos lockdowns, uma coisa está voltando às mentes e aos orçamentos de muitas pessoas: viajar.
Se o caos atual das viagens é algo que precisamos passar, mesmo assim todos nós estamos sonhando com férias agora. Há apenas um problema: a crise climática não foi a lugar nenhum. Dois anos de diminuição foram bons para nossas pegadas de carbono, mas retornar a viagens ambiciosas é um passo errado na direção ambiental.
Claro, nós sabemos a resposta: pare de viajar. Ou, pelo menos, pare de voar.
Mas enquanto o movimento do “pare de voar” está crescendo, ele não é para todos. E só porque você não está preparado para fazer esse sacrifício, não significa que você não possa fazer pequenas mudanças para garantir que sua viagem seja mais sustentável.
Qual é o problema em voar?
Afinal, a aviação responde por apenas 2,1% das emissões de carbono produzidas pelo homem em todo o mundo, de acordo com o Air Transport Action Group, e 3,5% das emissões de aquecimento do planeta no total. Não soa tão ruim quando se coloca dessa forma.
Mas não é tão simples, explicou Matteo Mirolo, oficial de política de aviação do Transport & Environment, um grupo europeu que faz campanha para um transporte mais limpo.
“É preciso olhar para o crescimento do setor. É bastante significativo, apesar da Covid”, disse Mirolo. “Mesmo depois do 11 de setembro ou da crise do petróleo dos anos 1970, a aviação volta a crescer mais forte. Agora está crescendo novamente e é um setor amplamente não regulamentado”.
“Se não fizermos nada agora, em alguns anos a aviação será um dos fatores que mais contribuem. Não devemos olhar para o quadro de agora”, disse ele, “devemos olhar para a previsão”.
Boas e más notícias
As boas notícias? “Muitas soluções” estão em andamento, disse Mirolo. As más? Elas ainda não estão prontas. Espere resultados reais apenas em “décadas”.
O combustível de aviação sustentável, ou SAF (na sigla em inglês), é um divisor de águas do futuro, disse Mirolo. Mas nem todos os SAFs são criados iguais. O que ele chama de “verdadeiro lixo residual” – como o óleo de cozinha usado, com o qual a Airbus recentemente abasteceu um A380 – é “um verdadeiro passo na direção certa”.
O querosene sintético também funciona. No entanto, alguns SAFs contêm óleo de palma, que está ligado ao desmatamento. Em outubro de 2021, a Indonésia realizou um voo de teste movido a biocombustível contendo óleo de palma, enquanto funcionários do governo falavam da necessidade de aumentar a produção de biocombustíveis com alto teor de óleo de palma.
A Neste, uma empresa de biocombustíveis que vende SAF para empresas como a American Airlines, KLM, Lufthansa e Delta, usa óleo de palma em seus biocombustíveis não-SAF, embora um porta-voz da empresa diga que é de origem sustentável e será eliminado até o final de 2023. Usar óleo de palma como combustível, disse Mirolo, é “uma cura pior que a doença”.
E embora pilotar um avião movido a óleo de cozinha usado esteja em fase de testes, estamos a décadas de isso acontecer comercialmente. O governo do Reino Unido, por exemplo, propôs obrigar todos os aviões que abastecem no país a usarem combustíveis com até 10% de SAF até 2030 e até 75% até 2050. A União Europeia está considerando obrigar o uso de 2% de SAF até 2025 para aviões partindo de aeroportos da UE, enquanto o Japão está visando 10% SAF até 2030.
Isso tudo não confirmado, ainda. Os únicos lugares que obrigam o uso de SAF atualmente em vigor são a Noruega, Suécia e França, cada um dos quais obrigando as transportadoras aéreas que saem do país a usar 1% de SAF.
Enquanto isso, prevemos para cerca de 2030-35 a introdução de aviões movidos a hidrogênio, se estivermos otimistas, disse Mirolo. Mesmo quando forem introduzidos, eles só serão capazes de voar abaixo de 2 mil milhas – o que significa que não serão viáveis para voos de longa distância.
Quanto aos aviões movidos a bateria, novamente, 2030 seria otimista, disse Mirolo, e eles também são inadequados para viagens longas. Atualmente, uma hora de voo é o limite para um avião de 100 lugares.
Além disso, disse ele, teremos que descobrir o impacto climático da construção e troca de baterias — elas podem não ser tão boas assim quanto pensamos. Hidrogênio e aviões elétricos podem cobrir cerca de 20% da demanda projetada de passageiros até 2050, diz ele — e é por isso que ele acha que o SAF é uma aposta melhor.
Mirolo disse que as companhias aéreas que alardeiam seus esquemas de compensação de carbono devem ser evitadas. “A compensação de carbono estava na moda há alguns anos, mas sabemos que não é a solução — a solução é o SAF”, disse ele.
Mike Childs, chefe de ciência, política e pesquisa da organização ambiental Friends of the Earth, descreveu anteriormente para a CNN que a compensação de carbono é um “grande golpe”, em parte porque qualquer efeito da compensação está distante a anos (e pode nunca ocorrer) e em parte porque os esforços para reflorestar já estão sendo feitos. Hoje, “nada mudou fundamentalmente” com os esquemas, disse ele.
Resumindo: Voe menos
Os especialistas são realistas e reconhecem que a maioria das pessoas sentirá a necessidade de voar em algum momento. Assim como Childs colocou: “Nenhum de nós é um anjo”.
“Esta não é uma discussão sobre se devemos voar ou não, mas sobre a redução da quantidade de emissões de carbono ao voar”, disse Justin Francis, CEO da Responsible Travel, que vende férias sustentáveis em todo o mundo.
Francis acredita que as viagens ampliam as mentes e ajudam as comunidades locais, mas diz que muitas pessoas estão fazendo muito disso. Em vez de pular em todos os voos baratos para os quais recebemos uma oferta, Francis sugere que voltemos a uma época em que entrar em um avião era um prazer.
Precisamos deixar de lado a mentalidade de que necessitamos voar tanto, dizem esses especialistas. Childs disse que embarcar em um avião deveria ser nossa última opção. “A melhor coisa a fazer é viajar de trem, ou, quilômetro por quilômetro, até mesmo dirigir vai ser melhor”, disse ele.
Mirolo disse que cada vez que planejamos uma viagem, devemos “pensar duas vezes antes de voar”. Você pode ir por outro meio de transporte? Em caso de uma viagem de negócios, a reunião presencial é essencial ou você pode fazer isso remotamente? “Você tem que decidir se vai precisar ir de avião. Não se trata de parar de voar completamente, mas de ser razoável”.
“Nossa posição é encorajar as pessoas a tirar férias mais longas, o que significará menos voos no total”, disse Francis. “Uma viagem mais longa é mais relaxante e agradável, e o carbono precisa estar no topo de nossas mentes. Precisamos escolher grandes viagens com mais consciência e usar outros meios de transporte quando viajarmos mais perto de casa.
“Para mim, em vez de fazer dois voos de longa distância por ano, eu ainda poderia ir para o Vietnã, mas para uma das minhas viagens mais longas eu poderia fazer um caminho mais lento de trem para a Itália”.
Trens e ônibus
É claro que ajuda o fato de Francis estar baseado na Europa, onde as viagens de trem de alta velocidade são normais. Mas mesmo se você estiver em algum lugar com transporte público limitado, como os EUA, ainda é melhor evitar voar, disse Childs.
Ele avalia que uma longa viagem de carro pelos Estados Unidos, digamos, de Washington DC ao Parque Nacional de Yellowstone, será menos prejudicial ao meio ambiente do que um voo rápido para o Caribe.
“Se você não tem opção de ir de trem ou transporte público, e você tem a opção de dirigir ou voar para algum lugar, então dirigir sempre será a melhor opção”, disse ele. “É mais fácil deslocar um corpo em um grande pedaço de metal por estrada do que enviá-lo para o ar e mantê-lo lá […] Um dia pode haver formas mais verdes de voar a uma curta distância, mas agora vá por terra para onde você puder”.
E quanto mais vezes o transporte de superfície for público (ou seja, trens, ônibus), melhor.
Como voar
Para aqueles de nós que tiveram a sorte de voar na classe executiva, voltar para a econômica é difícil. Mas a econômica é a maneira mais ecológica de voar – e as companhias aéreas de baixo custo que lotam o máximo de assentos possíveis são os aviões mais eficientes no céu.
Os assentos premium representaram apenas 5% do tráfego internacional em fevereiro de 2022, de acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo, mas os assentos premium ocupam muito mais espaço em um avião.
Por exemplo, a Wizz Air, totalmente de classe econômica, tem 239 assentos em sua aeronave A321neo, enquanto sua rival europeia Lufthansa, que tem uma classe executiva de curta distância, opera o mesmo avião configurado para apenas 215 passageiros. Ambas também voam no A320-200 — a versão da Lufthansa tem 168 assentos, enquanto a de Wizz acomoda até 186 passageiros.
Nas rotas de curta distância, a diferença entre a classe executiva e a econômica provavelmente será um assento maior e talvez um pouco mais de espaço para as pernas, mas as configurações de longa distância mudam completamente a dinâmica, com espaço para camas reclináveis e até “suítes” inteiras como as da Emirates e da Singapore Airlines, cada uma ocupando o equivalente a várias fileiras da classe econômica.
Tanto a Singapore quanto a Emirates Airlines voam no A380, por exemplo, mas a primeira coloca a econômica e a econômica premium no deck superior; o última o deixa para a classe executiva e primeira classe. A diferença? A Singapore Airlines acomoda um total de 399 passageiros em seu deck superior; e Emirates, apenas 90, no mesmo espaço.
Os componentes da classe executiva e primeira classe também tendem a ser muito mais pesados, com cadeiras em “conchas” fixas e, às vezes, portas exclusivas que podem ser fechadas para cada assento.
Transportadoras aéreas econômicas são mais sustentáveis – pelo menos no papel
A transportadora europeia Wizz Air se autodenomina a companhia aérea “mais verde” do continente, graças à sua frota jovem e moderna, filosofia de assentos totalmente econômicos e seu compromisso de fazer apenas voos diretos. Ela também não oferece rotas para as quais haja uma alternativa ferroviária de menos de quatro horas. A Wizz alega as menores emissões de CO2 relação ao passageiro-quilômetro na Europa e diz aos passageiros: “Se você não precisa voar, por favor, não voe”.
No entanto, isso não é tudo, disse Mirolo. As companhias aéreas de baixo custo “são as que crescem muito rápido”, explicou ele – então, embora suas métricas por passageiros pareçam boas, elas são uma parte importante da expansão problemática da aviação.
Quando se trata de transportadoras tradicionais, ele disse que os voos de longa distância são o problema – com 5% dos voos representando 50% das emissões.
O mandato de uso do SAF proposto pela União Europeia se aplica apenas a aeronaves que partem de aeroportos da UE — o que significa que, embora os voos dentro do bloco sejam cobertos, o mandato se aplicaria apenas a metade dos voos de longa distância (aqueles que saem da UE, mas não os que chegam).
É por isso que Mirolo recomenda que os passageiros preocupados coloquem seu dinheiro nos lugares certos, reservando voos com companhias aéreas que estão investindo e já usando o SAF de maneira “confiável”.
Isso inclui a United, Alaska, Qantas e SAS, que até permite que os passageiros comprem “blocos” de biocombustível ao longo de seus voos, e são recompensados com milhas extras se o fizerem.
A Air France-KLM está vinculada ao mandato de 1% de SAF para voos que saem da França, mas desde janeiro também se comprometeu com 0,5% de SAF em todos os aviões que partem de seu hub de Amsterdã, o aeroporto de Schiphol. Uma sobretaxa (R$ 5,16 a R$ 51,60 — de acordo com a cotação atual do euro) é aplicada aos bilhetes.
Mirolo também disse que os passageiros preocupados devem usar seu voto para tornar a indústria da aviação mais sustentável. “Há uma vontade política sem precedentes para fazer [a aviação sustentável] acontecer, e um movimento real, então vote na cabine e depois vote com os pés”.
Jatos particulares são prejudiciais – mas poderão ajudar
Para a maioria de nós, o mais próximo que chegaremos de voar em um jato particular é assistir às postagens das celebridades nas redes sociais. Mas só porque esse é um método de viagem apenas para a elite, não significa que não esteja afetando a todos nós.
Um estudo de 2021 da organização ambiental sem fins lucrativos Transport & Environment, descobriu que 1% das pessoas eram responsáveis por metade de todas as emissões globais de voos. A indústria de jatos particulares está crescendo, expandindo 31% entre 2005 e 2019. Além disso, 40% dos voos privados são “voos fantasmas” — vazios de passageiros enquanto se reposicionam para a próxima viagem.
Como os jatos particulares tendem a fazer voos curtos, isso os torna ainda menos ambientalmente sustentáveis. Quanto mais curta a viagem, menos necessária ela é também.
“Para 80% das rotas mais populares (de jatos particulares) na Europa, há uma alternativa de trem”, disse Mirolo, acrescentando que, de acordo com sua contagem, 10% dos voos feitos na França agora são privados.
A boa notícia, no entanto, é que, por causa de seu tamanho menor, os jatos particulares podem estar na vanguarda para se adaptar às novas tecnologias que chegam ao mercado. Isso, por sua vez, poderia ajudar o mercado a avançar, mais rápido.
“Os super-ricos podem supercarregar a descarbonização da aviação investindo nesse tipo de avião”, disse Mirolo, referindo-se aos aviões elétricos e movidos a hidrogênio. E se eles fizerem isso, o 1% ajudará os 99% a voar de forma mais sustentável.