Aglomerados de galáxias, nebulosas, estrelas e planetas: cores, formatos e nitidez que só a tecnologia capaz de captar a radiação infravermelha poderia traduzir aos nossos olhos. Esta semana foi marcada na história da astronomia pelas imagens feitas pelo telescópio James Webb e divulgadas pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa).
O evento, bastante aguardado pela comunidade científica e, claro, pela público em geral, mobilizou a Casa Branca. Foi o presidente Joe Biden quem anunciou ao mundo, em primeira mão, o registro mais profundo do Universo feito até agora.
“Fantástico’’, resumiu em uma palavra o astrônomo brasileiro Rogemar Riffel, que faz parte do seleto grupo de pesquisadores com direito a tempo de análise de dados do James Webb.
‘’É realmente surpreendente. Todo mundo ficou boquiaberto com a qualidade das imagens. É espetacular’’, disse Riffel, que também é professor do departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.
Rogemar Riffel lidera o grupo de cientistas que vai observar três galáxias entre 300 e 500 milhões de anos-luz da Terra. Ele explica que esses objetos possuem em seus centros buracos negros supermassivos. Essas estruturas capturam toda matéria ao redor ativamente, inclusive a luz.
“À medida que captura matéria, forma-se um disco de acreção. A partir daí, originam-se ventos de centenas e até milhares de quilômetros por segundo, que percorrem a galáxia e podem afetar a formação estelar’’, disse.
‘’Somente com os dados liberados pelo James Webb até agora dá pra fazer a carreira inteira de um cientista. Estou ansioso para baixar e analisar os dados que já estão disponíveis’’, afirmou Riffel.
Fotografia de planetas
Se as imagens do telescópio James Webb surpreendem os olhos mais acostumados à observação espacial, o mistério do que está no firmamento fascina pela beleza dos astros, seja com registros do Universo profundo ou de planetas do nosso sistema solar, da Lua e até da Via Láctea vista aqui da Terra.
Capturar imagens do Universo profundo é uma proeza dos telescópios espaciais, mas é possível captar imagens do cosmos com tecnologias em Terra.
Quem explica isso é Flávio Fortunato, astrofotógrafo, de 27 anos, que é um dos 47 finalistas da premiação Astronomy Photographer of the Year 2022, realizada pelo Observatório Real de Greenwich, no Reino Unido. Mais de 3 mil imagens de 67 países participaram do concurso, que terá o resultado anunciado no dia 15 de setembro.
Ele se intitula apaixonado pela astronomia, diz que sempre gostou de ciência, mas foi na adolescência que decidiu fazer um curso no Observatório de Astronomia de Maceió, em Alagoas, e a partir daí resolveu fotografar planetas.
‘’A partir daí, tudo mudou. Comprei telescópio, câmeras, mesmo não tendo relação nenhuma com a fotografia normal. Quando vi as imagens das crateras lunares, da calota polar de Marte, dos Anéis de Saturno, tive o desejo de compartilhar o que via, da forma mais fiel possível. Daí, me especializei em fotografia de planetas’’.
Ele explica que astrofotografia é a fotografia do céu, em geral. Mas, que há diferentes classificações, como as imagens de grande campo, que conseguem captar a Via Láctea e constelações, além do horizonte; as imagens de céu profundo, que miram as galáxias, nebulosas e aglomerados estelares; e, por fim, as imagens de planetas, que são possíveis apenas com um telescópio e lente adequada.
Fortunato oferece cursos para quem tem interesse em astrofotografia, mas diz que para além do encantamento pelas imagens do nosso sistema solar, entende o papel científico desses registros em alta resolução.
“Com esta fotografia é possível fazer o monitoramento planetário que consiste em tirar foto em vários dias e com isso acompanhar o desdobramento das atividades atmosféricas do planeta, flagrar impactos de cometas nestes objetos e com isso servir de matéria prima para artigos científicos’’, diz.
Ele conta que esta não é a primeira vez que fica entre os finalistas desta premiação do Reino Unido. A primeira foi em 2015, mas reconhece a evolução tecnológica que precisou fazer até o reconhecimento internacional deste ano, passando da utilização de câmera de celular acoplada no telescópio até o uso de uma câmera planetária. Segundo ele, a partir daí passou a fazer fotografias em alta resolução que passaram a ser inscritas e selecionadas em concursos internacionais.
Luas de Saturno
‘’Esta foto selecionada foi quase que acidental. Porque aqui em Maceió, em agosto de 2021, choveu durante os 20 primeiros dias. Como sou persistente, no 21º dia tentei novamente fazer o registro do quintal de casa, mesmo sem céu limpo. Quando apontei para Saturno, ele estava apresentando uma baixa turbulência atmosférica, o que o deixou nítido. Quando eu resolvi fotografar, decidi registrar também as luas, ampliei um pouco o campo e aumentei o brilho. Foi então que vi que as luas estavam fazendo uma configuração em forma de arco, o que contribuiu muito para o aspecto harmonioso da imagem.’’, lembra.
Para o concurso do Reino Unido, ele enviou também fotos de Vênus em várias fases, de Urano, que recebeu menção honrosa em um concurso polonês, e Júpiter, com uma grande mancha vermelha.
Embora Saturno tenha sido o escolhido, ele explica a preferência por outro planeta gigante.
“Júpiter é uma espécie de laboratório científico a céu aberto. Todos os dias que você aponta o telescópio para ele, ele te mostra uma face diferente composta de tempestades enormes, em cores variadas. Ele apresenta esse dinamismo, essa evolução. É sempre uma surpresa fotografar Júpiter”, explicou.
Para Fortunato estes são tempos animadores para a astronomia, agitada pelo impacto das imagens realizadas pelo James Webb, mas também para amadores, que utilizam da tecnologia atual para observar para o sistema solar.
Embora o astrofotógrafo reconheça a importância da divulgação científica das imagens dos astros, ele disse que a prática é importante também em aspectos pessoais, como saúde mental e bem estar, pois alivia o estresse e ainda traz respostas positivas pelo impacto que provoca no público.
Conexão com a Via Láctea
Um amor pelo céu na infância que faz parte de uma história de superação. É assim que o fotógrafo Cesar Farias, que coleciona registros do céu à noite, especialmente da Via Láctea, diz que se conectou com o Universo por meio da astrofotografia.
“Minha paixão começou na infância quando olhava para o céu noturno da cidade de Socorro, no interior de São Paulo, onde moro hoje e onde o céu é muito lindo à noite. E a astrofotografia me ajudou muito na cura da síndrome do pânico, o que reforçou muito minha paixão’’, diz.
Ele fala que tudo começou com o hábito de fotografar o pôr do sol, e que mesmo, à época, com a tecnologia de celular ainda não tão específica para registros noturnos, foi fazendo a transição para as imagens à noite.
Hoje, utiliza câmeras fotográficas, mas explica que com a tecnologia do próprio celular qualquer pessoa pode clicar a Via Láctea e as constelações.
“A maioria dos celulares hoje têm o modo PRO que você consegue ajustar as configurações como o ISO (entre 1.600 e 3.200), o tempo de exposição (entre 20 e 30 segundos) e o foco que pode mirar nas estrelas ou no objeto que vai compor a foto’’, ensina.
Mas, segundo ele, para o sucesso da imagem uma dica é fundamental: ‘’ É importante estar longe das cidades e dos grandes centros e da poluição luminosa que atrapalha a visibilidade da Via Láctea, por exemplo’’.
Outro fator, segundo o fotógrafo, é conhecer um pouco mais da posição dos astros no céu para saber o que vai de fato fotografar.
‘’Por exemplo, a constelação de Escorpião, uma das partes que mais gosto de fotografar é vista no Brasil mais no Inverno, então tem que se programar para isso. Assim como as Três Marias, na Constelação de Orion, que são mais visíveis no verão. Se planejando você consegue melhorar as composições para fotos.’’, destaca.
Ele ainda dá dica de aplicativos para ajudar a ambientação com o céu noturno como o Stellarium e o Skymaps, além do Snapseed para edição de imagens.
Fonte: Agência Brasil