Protesto teve ônibus queimado, depredações a bancos, pichações a monumentos e ataques a placas de sinalização. Grupo criticou aprovação de limite aos gastos públicos nos próximos 20 anos.
A Polícia Civil do Distrito Federal informou nesta quarta-feira (14) que pretende enquadrar na Lei de Segurança Nacional os 88 manifestantes detidos no protesto ocorrido após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que congela gastos públicos por 20 anos. O grupo foi liberado, mas a corporação disse que abrirá inquérito para analisar imagens e outras provas para indiciamento. O Código Penal prevê entre 3 a 10 anos de prisão para condenados com base na norma.
De acordo com a polícia, cinco dos detidos são adolescentes – incluindo um curitibano de 17 anos que teria incendiado um ônibus da TCB. Os manifestantes são suspeitos de envolvimento nas novas pichações ao Museu da República e à Biblioteca Nacional, depredações a prédios dos bancos do Brasil e de Brasília e ataques a uma concessionária no início da Asa Norte. O protesto começou no final da tarde, horas depois de a PEC ser aprovada em segundo turno no Senado.
O diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, afirmou que a lei federal – criada durante o regime limitar como forma de “garantir a segurança” e barrar “a subversão da lei e da ordem” – é aplicável ao caso. Para ele, a ocorrência se encaixa no artigo 20, que veta “devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”.
“Nossa interpretação é de que cabe, sim [o enquadramento]. São criminosos que agridem, não respeitam o Estado constituído e não respeitam o livre direito de exercer as manifestações. Vieram para depredar. São criminosos e vão responder por isso”, declarou Seba.
Fora a análise de imagens de câmeras de segurança, o diretor da Polícia Civil disse que os investigadores poderão ir atrás de informações em redes sociais e poderão solicitar quebra de sigilo telefônico e telamático a fim de punir o grupo.
“Dependendo, podem também responder por organização criminosa, dependendo do nível de intenção. Existem indícios de grupos organizados. Alguns se articulam desde as manifestações de 2013, quando queimaram o Itamaraty. Algumas figuras inclusive presentes no protesto [desta terça] estiveram naquele evento”, continuou Seba.
Segundo o chefe da Polícia Civil, não é exagerado aplicar a lei, apesar das críticas de que ela seja “linha-dura”. “Há um questionamento muito forte de algumas pessoas que entendem que seria um remédio jurídico extremamente contundente. Não é exagerado. É o remédio adequado. Os legisladores que criticam a aplicação da lei, então que revoguem a lei. Mas que não seja por causa própria nem por motivação política”, declarou.
O protesto reuniu 2 mil estudantes e ativistas políticos. O número era inferior ao efetivo de segurança, que somava 3,5 mil policias militares e civis, bombeiros e agentes de trânsito. Os grupos teriam entrado em conflito depois de manifestantes começarem a jogar paus e pedras contra as tropas, que reagiram com gás lacrimogêneo. Oito policiais ficaram feridos, com cortes no rosto, fraturas e perda de dentes.
Com a reação militar, os manifestantes se dispersaram pela área central. Parte deles montou barricadas com contêineres de lixo e ateou fogo. Um grupo seguiu para a Rodoviária do Plano Piloto, de onde partiu para a Galeria dos Estados. Outro, seguiu na direção da Asa Norte e chegou a passar pela quadra 302, onde ficam imóveis destinados a deputados. Depois, retornou pela W3 e danificou 20 carros novos e seminovos em uma concessionária.
Entre os estragos também houve danos a paradas de ônibus e a placas de sinalização, que foram amontoadas e queimadas. A entrada da sede do Banco do Brasil teve de ser coberta por lonas. Vídeos mostram quando grupos de vândalos jogam bombas no térreo do prédio e comemoram ao ouvir o barulho.
Além disso, o Museu Nacional, que já havia passado por limpeza após as últimas manifestações, voltou a ser pichado. Garis precisaram trabalhar durante a madrugada para fazer uma “faxina” na Esplanada, além de apagar o restante do fogo colocado nos contêineres. Cavaletes que eram usados pela PM também foram queimados durante a manifestação.
Até por vota das 20h40, também havia protestos em 15 estados. Eles ocorreram em pelo menos 17 cidades. Em algumas capitais, como São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre, ruas foram fechadas. Também houve registro depredações e ações da polícia para dispersar as pessoas, como na Avenida Paulista, em São Paulo. Estudantes, servidores públicos, integrantes de movimentos populares, entre outros grupos, participaram das manifestações.
Revistas
O trânsito na Esplanada foi interditado às 6h a partir da Rodoviária do Plano Piloto. As revistas começaram às 7h, e cerca de 300 objetos, de acordo com a Secretaria Pública, foram apreendidos. Na lista constavam bolinhas de gude, máscaras, escudo, botijão de gás, canivetes e estiletes.
Pelo menos 20 ônibus que faziam o transporte de manifestantes ao centro de Brasília foram vistoriados em rodovias, como a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), e em Samambaia e no Setor de Clubes Norte. Neles, outros 300 materiais também foram recolhidos, entre ele, pregos, escudos e bolas de gude.
O protesto começou por volta de 16h, quando já havia resultado da votação no Senado. Cerca de uma hora depois, houve confronto entre manifestantes e policiais militares. A dispersão total do público só ocorreu à noite, e o trânsito só voltou a ser liberado às 22h30.
As regras da PEC do teto de gastos
As despesas da União (Executivo, Legislativo e Judiciário e seus órgãos) só poderão crescer conforme a inflação do ano anterior;
A inflação para 2017, que servirá de base para os gastos, será de 7,2%;
Nos demais anos de vigência da medida, o teto corresponderá ao limite do ano anterior corrigido pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA);
Se um poder desrespeitar o limite, sofrerá sanções no ano seguinte, como a proibição de realizar concursos ou conceder reajustes;
Se um poder extrapolar o teto, outro poder deverá compensar;
Os gastos com saúde e educação só serão enquadrados no teto de gastos a partir de 2018;
Com relação aos gastos mínimos em saúde, o texto prevê que passem em 2017 dos atuais 13,7% para 15% da receita corrente líquida (somatório dos impostos descontadas as transferências previstas na Constituição). E que, a partir de 2018, esses investimentos se enquadrem no teto de gastos, sendo corrigidos pela inflação.
Ficam de fora das novas regras as transferências constitucionais a estados e municípios, além do Distrito Federal, os créditos extraordinários, as complementações do Fundeb, gastos da Justiça Eleitoral com eleições, e as despesas de capitalização de estatais não dependentes;
A partir do décimo ano de vigência do limite de gastos, o presidente da República poderá um projeto de lei ao Congresso para mudar a base de cálculo.