Psicólogos acompanham 365 vítimas e agressores; atendimento é gratuito. Quem participa tem pena reduzida; até junho, TJ recebeu 17,9 mil processos.
Dados do governo do Distrito Federal mostram que 856 vítimas e agressores envolvidos em episódios de violência doméstica aguardam atendimento especializado na capital. O DF tem nove núcleos que acompanham os casos, mesmo após o desfecho do processo. Hoje, 229 homens e 136 mulheres são atendidos.
“Eles chegam no grupo muito resistentes, porque vieram encaminhados da Justiça. Lá pelo terceiro ou quarto encontro, vão mudando de postura, começam a ver que o acompanhamento é para o benefício deles. […] A gente não vê muitos casos de reincidência, dos que passaram pelo nosso acompanhamento”, diz a coordenadora do Núcleo de Atendimento à Família e a Autores de Violência Doméstica de Sobradinho, Mariana Balduíno.
Casado há 15 anos, um mecânico que chegou a agredir a companheira por ciúmes passou pelo acompanhamento no DF. Condenado a prestar serviços comunitários, ele afirmou à TV Globo que tem uma nova visão sobre o assunto. “Tenho ciúmes, mas não brigo mais. [Agredir] Não, jamais”, diz.
Audiências
Entre janeiro e junho deste ano, 17.958 novos processos baseados na Lei Maria da Penha chegaram à Justiça do DF. A TV Globo acompanhou três dias de audiências no Fórum de Sobradinho e ouviu relatos de agressores, vítimas e testemunhas.
Em um dos casos, o casal estava separado, mas ainda morava na mesma chácara. Após 42 anos de união e dois filhos, em uma briga, a mulher saiu machucada. “A vítima destacou já ter sido agredida pelo denunciado em outras oportunidades, contudo, jamais noticiou a autoridade policial”, diz a juíza.
Ex-marido: Ela tem uma pele muito sensível. […] Qualquer coisinha que toca nela forma um hematoma muito forte.
Juíza: O que foi que levou a senhora, depois de uma vida dessas, a finalmente procurar uma delegacia?
Vítima: Porque aí juntou, doutora, as agressões verbais, as agressões físicas, humilhação. Coisa demais.
Apenas no Fórum de Sobradinho, há 3 mil processos aguardando julgamento. A cada mês, 250 novos casos chegam ao local. Durante as audiências, há mulheres que negam as agressões praticadas pelos companheiros.
Vítima: Fui eu que fui passar no portão e bati o rosto.
Nesse caso, mesmo a pedido da mulher, a juíza responsável pelo caso não autorizou a retirada das medidas protetivas, usadas para resguardar a vítima de novas ameaças ou agressões.
Ministério Público: Confirma que ele nunca te agrediu antes?
Vítima: Fisicamente? Beliscão, só.
MP: Beliscão é agressão. Empurrão…
Além da Justiça e dos envolvidos no episódio de violência, o tratamento envolve o Ministério Público, a Secretaria da Mulher e outros órgãos de governo. Após a condenação, o ideal é que a família seja encaminhada a um acompanhamento com psicólogos e assistentes sociais, como o que é feito nos núcleos.
“Ele [o agressor] não se vê como réu, como acusado. Ele se coloca em uma situação de injustiça porque acredita que, a mulher sendo sua esposa, sua filha, sua mãe, nessa situação de submissão, ele é o proprietário, vamos dizer assim. Então, ele pode bater, xingar, humilhar e não observa, não vê isso como um crime”, diz a juíza de direito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Rejane Jungbluth Suxberger.
Segundo ela, esse tipo de acompanhamento posterior é uma maneira de quebrar a cultura de machismo, aprendida desde a infância. “É necessário, para que a gente consiga romper esse ciclo de violência, que haja um empoderamento dessa mulher quando chega ao Judiciário. Mas, também é necessário um trabalho a ser realizado com o homem”, afirma.
Iniciativas
Além dos núcleos de acompanhamento, a Polícia Militar também monitora, mensalmente, cerca de 600 residências onde houve denúncias anônimas de agressões. Em março, o Programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid) funcionava em 12 regiões administrativas.
Desde setembro, mulheres que sofreram violência doméstica no DF também podem receber informações sobre o processo na Justiça pelo WhatsApp ou por e-mail. O envio do “passo a passo” judicial para a vítima já era previsto no texto inicial da Lei Maria da Penha, sancionado em 2006, mas ainda não tinha sido regulamentado.