Codeplan aponta avanços, mas elas ainda ganham menos e são vítimas de violência doméstica
Hoje, a polêmica frase da escritora Simone de Beauvoir que diz “não se nasce mulher, torna-se mulher” ganha ainda mais sentido. Em meio a uma sociedade desigual, elas cavam seu espaço a partir de uma fresta. Os mesmos estudos que apontam o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho indicam o abismo salarial entre homens e mulheres. E ao mesmo passo que os mecanismos de defesa contra a violência se expandem, as agressões não cessam.
Segundo o estudo “Trajetória das Mulheres no DF – 50 Anos de Conquistas”, divulgado pela Companhia de Planejamento (Codeplan), as mulheres representam 51% dos habitantes da capital do País. Elas aumentaram a participação no mercado e, para 70% delas, com idades entre 36 e 59 anos, a casa própria é uma realidade.
Menos casamentos
Quando o assunto é “situação conjugal”, o casamento parece cada vez mais distante da nova realidade. “A constatação mais evidente com relação ao estado civil das mulheres do DF é o aumento da parcela de mulheres solteiras ao longo das décadas. Esse comportamento se deu em todas as faixas etárias e pode estar associado a fatores culturais que levam as mulheres a casar menos e/ou casar mais tarde”, afirma o estudo.
Agressões
E o que seriam os chamados “fatores culturais”? Apesar de a pesquisa da Codeplan não detalhar tais pontos, ações judiciais indicam que, para muitas, o casamento virou um pesadelo. Segundo estatísticas da Corregedoria do TJDFT, em 2015, foram distribuídos 25,3 mil processos nos juizados de competência exclusiva para julgar casos de violência doméstica e familiar contra a mulher no DF.
Nos 14 juizados dessa natureza, foram realizadas 17,9 mil audiências e proferidas 42,4 mil decisões. Os processos, avalia o coordenador do Centro Judiciário da Mulher, o juiz Ben-Hur Viza, “são resultado da coragem das mulheres em denunciar”. No entanto, as agressões ainda são a prova de que a sociedade brasileira precisa aprender muito sobre igualdade.
Ascensão salarial
De 2012 a 2015, apesar de as mulheres terem conquistado um aumento maior (3,3%) do que os homens (1,6%), os salários delas são mais baixos e representam, em média, 75% dos salários deles.
Na comparação entre o período, atingiu-se a menor diferença entre os rendimentos de homens e mulheres desde que a Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal começou a ser feita.
Ainda segundo o levantamento, feito pela Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, de 2012 a 2015, 42 mil mulheres entraram no mercado de trabalho.
Em 2012, havia 106 mil mulheres desempregadas e 72 mil homens. Em 2015, os dados foram de 120 mil e 101 mil, respectivamente.
Se, em 2012, havia 34 mil mulheres desempregadas a mais do que homens, em 2015, a diferença caiu para 19 mil.
Igualdade proporciona mais respeito
Quando tivermos uma sociedade mais justa, como nos países em que os números de violência doméstica nem se aproximam do Brasil, os índices vão cair. Exemplo disso é a Dinamarca, referência de direitos iguais, onde mulher é respeitada e remunerada dignamente por seu trabalho. Lá não tem isso de homem ganhar mais. E o sucesso que esses países alcançaram na política de prevenção à violência é uma esperança que nós temos”, aponta o juiz Ben-Hur Viza.
Na opinião dele, “a violência doméstica está entre os problemas mais graves do País, e o DF não é exceção”. Por isso, ações que busquem conscientizar a população são importantes. Como exemplo, o juiz citou, além da Casa da Mulher Brasileira, espaço voltado à proteção da mulher inaugurado no ano passado em Brasília, o projeto Maria da Penha vai à Escola. “Nele, mostramos para crianças e adolescentes que a questão do gênero não pode justificar a violência”, diz.
Por isso, salienta o juiz, no Dia Internacional da Mulher, as brasilienses têm o que comemorar. “Neste ano, a gente percebeu que a cada dia elas estão se apropriando mais das garantias dos direitos previstos na Lei Maria da Penha, fruto, sem dúvida, do trabalho. O DF tem sido um expoente no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher. No Judiciário, temos o maior número de varas que cuidam de violência doméstica no Brasil”, destaca.
Aliás, destaca Ben-Hur, após a implementação da Lei Maria da Penha, as mulheres estão mais confiantes para denunciar. “Nos casos no DF que terminaram em morte, na maioria das vezes, a mulher não registrou ocorrência ou desistiu do processo. Quando a mulher leva o processo adiante, ela está sinalizando para o agressor que ele vai ser responsabilizado pela conduta”, afirma.
Reviravolta na vida
J.D., de 51 anos, é exemplo de que denunciar o agressor é o melhor caminho. Depois de viver oito anos em uma relação conturbada, ela decidiu se separar e, como previa, a situação ficou cada dia mais complicada: “Eu já evitava a separação por ter medo. Confesso até que me sentia culpada por aquilo. As ameaças eram constantes e eu não tive outra saída a não ser procurar a Delegacia da Mulher (Deam)”.
A decisão, diz, “trouxe certa tranquilidade” e a fez orgulhar-se de si mesma. “A partir daquele momento, tive a sensação de que ele ‘pagaria’ se fizesse algum mal para mim ou para a minha família”, diz.
Ela buscou a Casa da Mulher Brasileira, na Asa Norte, para informar-se melhor sobre as consequências de um processo envolvendo violência doméstica. “Eles me ajudaram muito”, destaca.
Comemoração
Assim como J.D., a empresária Iolanda Martins, 55 anos, acredita que há motivos para celebrar a data. “Acho que todas nós precisamos de coragem para fazer aquilo que nos dá prazer. Eu fui atrás dos meus sonhos. E, hoje, sou realizada. Saio para dançar com meu marido, me divirto. Amo o que faço. Acho que ainda temos muito a conquistar, mas também comemorar”, diz Iolanda.
Fonte: Agência Brasília