A economia gerada ao governo federal com a aplicação do horário de verão caiu nos últimos quatro anos – entre 2013 e 2016 – de R$ 405 milhões para R$ 159,5 milhões. No último ano, o horário ocorreu entre 16 de outubro de 2016 e 18 de fevereiro de 2017. Mesmo assim, especialistas defendem que “pouco é melhor que nada” e que a manutenção da medida também ajuda a evitar apagões.
A ideia de extinguir o horário de verão no Brasil – em estudo há pelo menos seis meses no Ministério de Minas e Energia – deve ser analisada nas próximas semanas pelo presidente Michel Temer, com base em notas técnicas que apontam “perda de efetividade” na mudança de horário.
Se nada for anunciado, o horário de verão deve entrar em vigor no dia 15 de outubro, em dez estados e no Distrito Federal (veja mapa). Nessas regiões, o relógio deve ser adiantado em uma hora até o dia 18 de fevereiro de 2018.
Economia acumulada
De acordo com os dados divulgados pelo Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, o Brasil economizou pelo menos R$ 1,4 bilhão desde 2010 por adotar o horário de verão. Segundo números já divulgados, entre 2010 e 2014, o aproveitamento da luz do sol resultou em economia de R$ 835 milhões para os consumidores – média de R$ 208 milhões por “temporada”.
Entre 2015 e 2016, a economia foi de R$ 162 milhões, e no período seguinte, caiu para R$ 159,5 milhões. Por esses dados, de fato, é possível notar uma queda na economia. No entanto, especialistas ouvidos indicam que esses números também foram influenciados pela crise econômica.
“Desde 2015, de fato, houve uma queda [de consumo e de economia] por causa da crise. Mas se o país voltar a crescer, o consumo também volta. A gente está muito longe ainda de convergir o consumo, de estabilizar essa curva. O país tem um consumo individual de eletricidade muito baixo”, afirma o presidente da consultoria Thymos, João Carlos Mello.
Um cálculo simples de regra de três, comparando o números de 2013 e de 2016, chega ao percentual de 60,6% de queda na economia de energia. No entanto, como o ministério não forneceu informações sobre como os dados são gerados anualmente, não é possível garantir a exatidão do resultado, já que as variáveis utilizadas podem ter sido diferentes em cada ano.
O G1 aguardava os dados atualizados do ministério até a publicação desta reportagem. Até a noite de quinta (21), a pasta tinha enviado apenas a ata da última reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que aponta a necessidade de “aprofundar os estudos” sobre a manutenção do horário de verão.
Também procurados pelo G1, o Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) afirmaram que estudos ou informações sobre o horário de verão serão divulgados apenas pelo ministério. A Casa Civil confirmou que “está avaliando a conveniência ou não do tema horário de verão”, mas também disse que ele está com o ministério.
Há dois anos, o Ministério de Minas e Energia chegou a divulgar que a adoção do horário de verão economizaria cerca de R$ 7 bilhões aos cofres públicos. Isso porque, caso não entrasse em vigor no período 2015-2016, o governo teria de investir o montante na expansão da capacidade elétrica do país, como impulsionar o funcionamento das usinas térmicas – tipo mais caro de geração de energia.
Entre 2010 e 2015, as estimativas de economia em termos percentuais se mantiveram praticamente estáveis. A cada temporada, o horário de verão representa economia média de 0,5% no consumo de energia, chegando a 5% nos horários de pico. Essa energia poupada é suficiente para abastecer uma cidade como Brasília, com 2,8 milhões de habitantes, por até um mês. No Brasil, o horário de verão tem sido aplicado desde 1931/1932, com alguns intervalos.
Horários de pico?
Segundo João Carlos Mello, mais que a economia “direta” (em energia poupada), o alívio nos horários de pico é importante para dar segurança ao sistema elétrico nacional. Durante o verão, o nível dos reservatórios cai e a demanda por energia aumenta, puxada pelo uso de chuveiro e ar-condicionado.
“Se você sobrecarrega o sistema elétrico no horário de pico, você deixa esse sistema instável, cada vez mais perto do limite de segurança. Aí, surge o risco do ‘apagão’, do ‘apaguinho’, de como você quiser chamar.”
Nos relatórios entregues à Presidência da República, os técnicos do ministério advogam que o perfil de consumo de eletricidade dos brasileiros mudou nos últimos anos. O horário de pico, que antes ficava no intervalo de 18h a 19h, se espalhou ao longo do dia. O ar-condicionado ficou mais popular, e a jornada de trabalho tradicional (de 9h às 17h) deu espaço a arranjos alternativos.
“Ao invés do pico às 18h, você até pode ter um pico às 17h, e isso afeta a economia, diminui os valores. Agora, mesmo assim, você tem uma alta demanda entre 18h e 19h, e o horário de verão continua a minimizar esse pico. Toda economia, por menor que seja, é importante”, diz o professor de engenharia elétrica do UniCeub, Luciano Duque.
Outras vantagens
Outra vantagem apontada por Duque e por Mello, é que o horário de verão tem “custo zero” para o governo e para o setor privado. “Os únicos afetados diretamente são as emissoras de TV e as companhias aéreas, que precisam ajustar horário”, diz o presidente da Thymos.
Por isso, segundo eles, mesmo que a economia de gastos seja decrescente, o horário de verão ainda representaria uma escolha melhor que a alternativa – neste caso, o acionamento das termelétricas.
“A medição da economia que o governo faz, a cada horário de verão, é muito em cima das térmicas. Elas têm capacidade de sobra para absorver a demanda e evitar sobrecarga no sistema geral. Mas custam muito mais, tanto em dinheiro quanto em poluição”, diz Mello.
No relatório de estimativas para o horário de verão 2016/2017, divulgado pelo ONS no fim do ano passado, o operador do sistema elétrico lista algumas vantagens possíveis para aquele período:
- “Ganhos referentes ao custo evitado para contornar riscos em equipamentos em regime normal de operação”, com benefício de até R$ 35,5 milhões;
- “Redução da necessidade de geração térmica para atendimento à ponta e para a manutenção da segurança operativa durante os grandes eventos que ocorre durante o período, tal como o réveillon”, com economia de até R$ 147,5 milhões;
- Ganhos na “confiabilidade da operação elétrica” nos estados que entram no horário de verão (todos os das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste);
- “Redução dos carregamentos nos troncos de transmissão, refletindo em melhorias no controle de tensão, maior flexibilidade operativa para realização de manutenções em equipamentos do sistema de transmissão e na redução dos cortes de carga em emergências”, com aumento da segurança no atendimento ao consumidor final, e
- “Pelo custo evitado de investimento na construção de térmicas a gás natural (US$ 750/kW) para atender à ponta, o equivalente da ordem de US$ 1,6 bilhão ou R$ 5,4 bilhões no SIN [Sistema Interligado Nacional]”.
Crise à vista
Essa economia pode ser ainda mais fundamental, segundo os especialistas ouvidos, frente às projeções pessimistas de chuvas nas hidrelétricas nos próximos meses. A variação do clima pode dificultar a geração de energia nos próximos meses, e o governo já anunciou que poderá, inclusive, adotar a “bandeira vermelha de nível 2” na conta de luz.
A cada 100 kW/h, o consumidor pode pagar mais R$ 3,50. Por tudo isso, pela primeira vez desde o apagão energético de 2001, o governo brasileiro autorizou a importação de energia do Uruguai e da Argentina para não ter que comprar a energia mais cara das termelétricas.
“O sistema elétrico já tem várias perdas, de natureza. Então, se você alivia a rede, alivia os reservatórios, e isso é água do reservatório que você está deixando de consumir.”
Em 2015, quando o Brasil também enfrentou problemas climáticos e baixos níveis nos reservatórios de hidrelétrica, o então ministro de Minas e Energia Eduardo Braga (PMDB-AM) chegou a cogitar a medida reversa – ampliar o horário de verão em um mês. A ideia foi abandonada porque, segundo estudos, a economia gerada seria muito pequena.