Longe dos gramados do Estádio Mané Garrincha, a expectativa negativa se confirmou. Bares e restaurantes não viram graça nos Jogos Olímpicos. O comércio só se sentiu prejudicado. Os setores hoteleiro e de turismo, por sua vez, não tiveram mudança expressiva. Do legado da Olimpíada, restam as estatísticas esvaziadas da Segurança, que, para a titular da pasta, colocam Brasília como uma cidade segura.
“A taxa de ocupação dos hotéis durante os jogos foi em torno de 55%, especialmente em dias de semana. Aos fins de semana, não houve mudança na ocupação normal. Então nossa previsão de baixo movimento se confirma”, explicou Adriana Pinto, presidente da Associação Brasileira de Industria de Hotéis (Abih). Os melhores dias do setor hoteleiro foram quinta-feira (4), terça-feira (9) e quarta-feira (10) – período que, normalmente, já registra altos índices de ocupação devido à maior movimentação legislativa.
De acordo com Adriana, no último levantamento, do fim de julho, a ocupação média era de 42%, o que indica certo crescimento. “Não tivemos impacto expressivo que pudéssemos considerar e associar à Olimpíada. Para os hotéis que receberam as delegações foi bom, mas, para gerar impostos, não”, ponderou a presidente da Abih.
Sem comemoração
“Não tinha grande expectativa”, revelou Rodrigo Freire, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no DF (Abrasel). “Assim como na Copa do Mundo, mais se fala do que se modifica o setor. Estamos vivendo o pior momento dos últimos cinco anos e o movimento está crítico”, contou Freire, que disse que os jogos deram uma respirada no segmento. “Estava muito ruim, agora ficou só ruim”.
Os estabelecimentos com gasto médio abaixo de R$ 15 são os que menos sofreram. Aqueles entre R$ 15 e R$ 70 tiveram perda grande, e acima dos R$ 70 se mantiveram. “Todo mundo perdeu. Em dias de jogos, os bares e botecos de regiões próximas melhoram um pouco, mas restaurante, em si, acaba perdendo. Houve poucos estrangeiros nas ruas”, explicou.
Para o comércio, o evento foi um desastre. “De modo geral, a avaliação é negativa. Não beneficiou absolutamente em nada o comércio. Teve um bom número de pessoas que não trabalharam, impacto no trânsito que engessou e irritou usuários, não tivemos muitos turistas pelas ruas”, justificou Cléber Pires, presidente da Associação Comercial do Distrito Federal.
As mesmas fundamentações foram usadas por Álvaro Silveira Junior, titular da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), para o impacto da Olimpíada no setor.
Só ocorrências leves
Os órgãos de Segurança Pública classificaram o período olímpico como pacífico, já que nenhum episódio grave aconteceu. Nos seis dias de competição, que reuniram mais de 300 mil pessoas, foram registrados 168 ocorrências policiais, 25 atendimentos do Corpo de Bombeiros e 1.577 atuações do Departamento de Trânsito (Detran).
“Concluímos a operação com sucesso, fazendo com que Brasília pudesse se confirmar como uma cidade segura e dentro do que foi definido pelo Comitê Olímpico Internacional.
Considerando o nível de risco de algumas delegações, como Iraque e Estados Unidos, em nenhuma ocasião tivemos perigo real ao visitantes e atletas”, valorizou Marcia de Alencar, secretária de Segurança Pública, lembrando dos 168 cenários de risco elaborados antes do início do evento.
Segundo os dados apresentados, durante os dias de jogos foram registradas 171 ocorrências, sendo 77 extravios, 21 furtos diversos, 15 acidentes de trânsito e três de tráfico de drogas. No período, sete cambistas foram presos e liberados em seguida – um deles chegou a ser detido duas vezes no mesmo dia, revelou Eric Seba, diretor-geral da Polícia Civil.
A maior parte das ocorrências aconteceu nas imediações do Estádio Mané Garrincha (80), na Rodoviária do Plano Piloto (53) e no Parque da Cidade (21). Na arena, apenas três casos foram registrados: o torcedor que invadiu o campo na partida entre Brasil e Iraque, que já foi condenado e está impedido de acompanhar partidas; um furto de celular e um funcionário embriagado do bar.
“Ter apenas três casos é um recorde semelhante aos recordes olímpicos que temos visto”, elogiou Renan Soares, oficial da Agência Brasileira de Inteligência.
Quase dois mil motoristas foram autuados por irregularidades nos seis dias de jogos. A principal infração foi o estacionamento irregular (421), apesar das mais de 15 mil vagas disponibilizadas durante a competição, ausência do cinto de segurança (328) e uso do celular (245). Mesmo com as vias sinalizadas, alguns insistiram em estacionar fora dos locais permitidos.
Saiba mais
A Secretaria-Adjunta de Turismo ainda não tem um balanço completo do período olímpico no Distrito Federal. Segundo a pasta, leva tempo até que os quase dois mil questionários aplicados aos turistas sejam avaliados. Mais de três mil atendimentos a turistas foram realizados.
Durante os jogos, o secretário Jaime Recena chegou a culpar o calendário olímpico pelas cadeiras vazias no Mané Garrincha em jogos de menor apelo público. Ao Jornal de Brasília, ele disse ainda não ser possível indicar o número de turistas que passaram pela capital.
Apesar disso, elencou a dificuldade econômica do País e o zika vírus, que teve ampla cobertura da mídia internacional, como principais motivos que atrapalharam a vinda de turistas. Mesmo assim, o titular da pasta valoriza o uso do evento para colher frutos futuros, divulgando a cidade a todo o mundo.
Sonho almejado nos anos 1990
Foi Brasília quem plantou a semente para uma Olimpíada em solo tupiniquim. Era o ano de 1992 quando a cidade lançou a candidatura. O sonho era sediar os Jogos Olímpicos de 2000 e o responsável pelo movimento era o então deputado federal Paulo Octávio.
“Junto com um grupo de atletas, dirigentes esportivos e intelectuais, iniciei uma ampla campanha. Brasília já tinha condições de abrigar as instalações, e com Oscar Niemeyer assinando os projetos”, lembra.
Presidente à época, Fernando Collor de Melo apoiou o projeto. “Mas com a condição de não ter um centavo de recurso público”, ressaltou o empresário. Com quatro empresas patrocinadoras e 40 técnicos debruçados, o projeto Brasília 2000 foi lançado com 800 páginas e contou com apoio de nações da América. Foram questões políticas, porém, que afastaram a possibilidade.
“O Collor sofreu o impeachment e Itamar Franco não apoiou. Nosso governador também não tinha vontade. Só se consegue ganhar se tiver apoio da autoridade do país. Não tínhamos”, lamentou.
Projeto serviu de base
Em 1993, a renúncia à candidatura aconteceu. Paulo Octávio conta que, quando o Rio de Janeiro decidiu se lançar como sede, utilizaram como base o projeto Brasília 2000. A circunstância era Brasília ser subsede, como foi.
“O Rio só ganhou quando o Lula apoiou e o Brasil bombava no exterior. Graças a Deus ganhamos. Uma Olimpíada muda o país. Tem avanço cultural grande, fora os investimentos. Queria que fosse em Brasília. Nós lançamos a semente e em eventos futuros podemos ser sede. Há investimentos, mas há retorno”, finalizou.
Fonte: Jornal de Brasília