Distintos, lançamentos dos grupos Oriente e As Bahias e a Cozinha Mineira têm no rapper Criolo um elo
À primeira vista, os discos Yin yang e Bixa, do Oriente e d’As Bahias e a Cozinha Mineira, respectivamente, parecem ter pouco em comum. Um grupo foi formado em Niterói, no Rio, e é pautado pela batida do rap. O outro se conheceu em São Paulo, está sacudindo a cena da nova MPB e ganhou fama por ser capitaneado por duas vocalistas transgêneros. No entanto, os dois lançamentos têm um elo: o rapper Criolo.
Yin yang, do Oriente, chega ao mercado após um hiato de seis anos sem disco de inéditas. Uma das participações do álbum é do MC conhecido pelo hit Não existe amor em SP. Criolo aparece na faixa Oriente-se. “Já dividimos muitos eventos e isso fez com que trocássemos ideias no camarim. Ele sempre foi um cara interessado em fazer música de qualidade e viu em nós uma oportunidade. A participação aconteceu no âmbito instrumental”, comemora o DJ GeninhoBeatBox, um dos integrantes do grupo formado ainda pelos MCs Chino e Nissin, e o violinista clássico Nobru. Outros convidados foram Zeca Baleiro (em Roda gigante) e Toni Garrido (A mochila).
Costurar parcerias tão diversas é um grande passo para o Oriente, formado em batalhas de rap no Rio de Janeiro – estado ainda conhecido pelas batidas que vêm do funk. “As pessoas estavam condicionadas a ouvir só o que chegava até elas pelo rádio ou tevê. Surgimos na época em que os serviços musicais da internet se popularizaram. A internet fez não só o Oriente ser mais conhecido, mas outras pessoas que começaram muito antes da gente. Anteriormente, cerca de 90% do público local ouvia funk e 10% escutava rap. De pouco em pouco, essa diferença está se igualando. O Rio respira o funk, mas as comunidades e a Zona Sul abraçaram o também o hip-hop”, acredita Geninho.
Uma das razões para essa popularização está na abertura maior dos MC’s para novas sonoridades. Mais que letras com apelo social e batidas cortantes, o gênero permite camadas que vão da suavidade de baladas românticas à levada praiana do reggae. Essa pluralidade aparece em Yin yang. “O nome do disco foi escolhido para poder mostrar os dois lados da moeda. A parte calma, tranquila e a revolucionária, revoltada. Não tem como ser só um dos dois 100% do tempo. Essa dualidade que a gente carrega deixa fácil fazer qualquer tipo de música. É a nossa vontade explorar musicalidades, outros estilos. Isso gera parcerias incríveis. A música é uma linguagem universal”, defende.
Bicha com X
Universal é o termo certeiro para definir o novo disco do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, lançado na última sexta (1/9), mesmo dia em que o Oriente disponibilizou Yin yang nas lojas e plataformas musicais. Em Bixa, a trupe idealizada pelas vocalistas trans Assucena Assucena e Raquel Virgínia com o guitarrista Rafael Acerbi (completam a banda o tecladista Carlos Eduardo Samuel, o percursionista Danilo Moura, o baterista Vitor Coimbra e o baixista Rob Ashttonfen) continua com viés politizado em um passeio por diferentes referências musicais. O novo CD sucede o elogiado Mulher (2015).
A linguagem é mais pop e vem permeada por metáforas. Quem contribui para um resultado eclético – porém coeso – é o produtor Daniel Ganjaman, conhecido por dar novo fôlego à carreira do MC Criolo, e o baixista Marcelo Cabral, que também atuou com o rapper e com artistas do porte de Elza Soares.
“As nossas escolhas lexicais se cruzam muito porque a gente nadou no mesmo oceano. Os produtores entraram em nosso universo para entender qual seria o trabalho que desenvolveríamos. É como um filme experimental. Gostamos de provocar esteticamente e na linguagem”, contextualiza Raquel Virgínia. “Queremos quebrar todas as fronteiras. Elas são cafonas”, brinca a cantora.
O nome do disco, grafado com X, presta homenagem a Caetano Veloso (o icônico álbum Bichocompleta 40 anos em 2017) ao mesmo tempo em que expõe as inquietações pessoais que o grupo observa cotidianamente. “Me perguntaram se bixa com X é algo transgressor. Nas composições, entramos com linhas totalmente poéticas em um mundo de fantasias, brincadeiras e tiração de sarro. É bom ser ‘bixa’ nesse universo. Mas não no Brasil, país que mais mata o que eles chamam de ‘bicha’. É um genocídio sem tamanho como nunca antes se teve notícia. O álbum é um tipo de empoderamento”, complementa.
Perguntada, então, se não é paradoxal esse preconceito latente na mesma nação onde estrelas como a drag Pabllo Vittar fincam relevante espaço na cena mainstream, Raquel responde, sem rodeios: “Infelizmente, estamos falando para um público pequeno. A música é super ‘guetificada’. Precisamos diversificar a narrativa da música brasileira, porque existe um predomínio forte do sertanejo universitário chegando a um maior número de pessoas. É nesse lugar que a gente tem que estar. É ótimo que exista um público LGBT à nossa volta, mas não dá para ser feliz na festa e na balada e não ser feliz na padaria e no banco, os lugares que a gente mais frequenta.”