Uma junção de fatores está por trás do alto grau de letalidade e destruição do terremoto de magnitude 7,8 que arrasou, ontem, o sudeste da Turquia e o norte da Síria, deixando milhares de mortos e feridos. Segundo especialistas, a localização do abalo sísmico, a hora em que ocorreu, os antecedentes e as medidas de segurança pouco rigorosas para as construções podem ajudar a explicar a tragédia.
Até o fechamento desta edição, os óbitos passavam de 3,8 mil nos dois países — ao menos 2.379 na Turquia e 1.444 na Síria —, além de 17 mil feridos. Porém, a expectativa é a de que o total seja muito superior. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o número de óbitos pode ser até oito vezes maior. O presidente da Turquia, Recept Tayyipi Erdogan, decretou luto oficial de sete dias no país. A comunidade internacional se mobiliza para ajudar no resgate de corpos e de sobreviventes, dificultado pelo mau tempo e pelas baixíssimas temperaturas do inverno.
O epicentro do abalo foi localizado no distrito de Pazarcik, na província turca de Kahramanmaras, distante 60km da fronteira com o território sírio, a uma profundidade de 17,9 quilômetros. O tremor mais forte registrado no país desde 1939 atingiu uma região densamente povoada durante a madrugada — exatamente às 4h17 locais (22h17 de domingo em Brasília), surpreendendo a população enquanto dormia.
A falha geológica onde ocorreu o tremor esteve relativamente calma nos últimos tempos. A região não sofria um terremoto de magnitude superior a 7 há mais de 200 anos. Provavelmente por esse motivo, as cidades atingidas não estivessem preparadas para um fenômeno do tipo, na avaliação feita por Roger Musson, investigador do Serviço Geológico britânico, à agência de notícias France Presse.
Pelos cálculos iniciais, mais de 2,8 mil prédios desmoronaram, majoritariamente nas cidades turcas de Adana, Gaziantep, Sanliurfa e Diayarbakir. Musson explica que grande parte das vítimas “ficou bloqueada quando suas casas desabaram”. “Os métodos de construção não eram realmente adequados para uma área propensa a grandes terremotos”, opinou o especialista, lembrando que a Turquia é uma das zonas sísmicas mais ativas do mundo.
O terremoto provocou cenas de pânico. Muitos moradores saíram às ruas, apesar da chuva torrencial. Algumas imagens na televisão turca e nas redes sociais mostraram pessoas assustadas, de pijama, vagando pela neve, enquanto observam equipes de resgate vasculhando os escombros de suas casas.
“Ouvimos vozes aqui e ali. Achamos que talvez 200 pessoas estejam entre os escombros”, disse uma equipe de resgate em Diyarbakir, de acordo com uma transmissão da NTV. “Sete membros da nossa família estão sob as ruínas”, disse Muhittin Orakci, enquanto acompanhava o trabalho das equipes de resgate na cidade.
Réplicas
Nove horas após o primeiro terremoto, um outro de magnitude 7,5 atingiu a região, quatro quilômetros a sudeste da cidade de Ekinozu, segundo o USGS. Também houve cerca de 50 tremores secundários, de acordo com Ancara. Os abalos foram sentidos em países próximos, como Líbano, Israel e Chipre.
Já devastada por 12 anos de guerra, a vizinha Síria, contudo, foi a grande afetada. Damasco relatou 711 mortos e 1.431 feridos em áreas controladas pelo governo. Os Capacetes Brancos, que operam nas áreas controladas pelos rebeldes, registraram pelo menos 733 mortos e mais de 2,1 mil feridos nesses setores.
A agência síria de notícias Sana divulgou imagens que mostravam destruições significativas em várias cidades, entre elas, Latakia, na costa oeste do país, onde edifícios inteiros desabaram. A mídia pró-governo informou que vários prédios desmoronaram parcialmente em Hama, no centro do país, onde bombeiros e equipes de resgate tentavam retirar um sobrevivente dos destroços.
O chefe do Centro Nacional de Monitoramento Sísmico da Síria, Raed Ahmed, disse à rádio oficial que este foi, “historicamente, o maior terremoto já registrado”. A Cidadela de Aleppo, onde está um dos mais antigos castelos medievais do mundo, e outros importantes sítios arqueológicos sofreram danos significativos.
Por questões de segurança, o gás foi cortado em toda a região atingida, devido a tremores secundários que poderiam provocar explosões. O Curdistão iraquiano suspendeu as exportações de petróleo através da Turquia como precaução. Segundo o vice-presidente turco, Fuat Oktay, pelo menos três dos aeroportos da zona afetada — Hatay, Maras e Gaziantep — foram fechados ao tráfego.
Ajuda internacional
A tragédia mobilizou a comunidade internacional. A União Europeia (UE) e muitos de seus países-membros anunciaram o envio de ajuda e equipes de resgate. O mesmo foi feito por Estados Unidos, França, Reino Unido, Israel, Índia, Azerbaijão e Ucrânia, além da Grécia, rival histórico da Turquia. Na ONU, representantes dos países fizeram um minuto de silêncio.
O papa Francisco manifestou sua “profunda tristeza” pelo ocorrido, enquanto o presidente russo, Vladimir Putin, disse que enviará equipes de resgate à Turquia e Síria após conversar com seus homólogos nos dois países. O presidente chinês, Xi Jinping, enviou suas condolências aos dois países. Erdogan, cuja forma de lidar com a tragédia pesará muito nas disputadas eleições de 14 de maio, pediu união nacional.
Em nota, o Itamaraty manifestou solidariedade e condolências às populações da Turquia e da Síria e às famílias das vítimas. “Por meio da Agência Brasileira de Cooperação e em coordenação com os países das áreas atingidas, o governo brasileiro está providenciando formas de oferecer ajuda humanitária às populações afetadas pelo terremoto”, destacou o comunicado, assinalando que não havia informações sobre brasileiros mortos ou feridos.
Em sua rede social, a brasileira Rafaela Lopes, que mora em Adana, relatou os momentos de tensão. Casada com um turco, ela tem um filho de 1 ano e 10 meses. A família seguiu para a casa de parentes em uma localidade próxima. Ela contou que no terceiro tremor, 10 prédios desabaram em Adana. “É tudo muito triste. Está muito frio e as pessoas não têm para onde ir. Estão fazendo fogueiras no meio das ruas e ficando ali, esperando a situação melhorar”, disse, emocionada.
Istambul sob risco
Especialistas alertam há muito tempo que um grande sismo poderia devastar Istambul, que permitiu construções generalizadas sem precauções. Um terremoto de magnitude 6,8 atingiu Elazig, em janeiro de 2020, matando mais de 40 pessoas. Em outubro do mesmo ano, outro de magnitude 7,0 sacudiu o Mar Egeu, deixando 114 mortos e mais de mil feridos. Em 1999, Um tremor na região de Duzce(norte), em 1999, causou mais de 17 mil mortes. Desta vez, o abalo ocorreu no outro extremo do país, na chamada falha da Anatólia Oriental.