Géssica Brandino
São Paulo, SP
Os manifestantes golpistas que invadiram neste domingo (8) a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, podem responder por crime contra o Estado democrático de Direito. Se identificada omissão, autoridades também poderão ser responsabilizadas.
A invasão realizada por bolsonaristas e repreendida com bombas de efeito moral concretizou o temor de que a escalada da violência em atos antidemocráticos após as eleições resultassem em um episódio semelhante a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 2021.
“Se a gente pode chamar o que acontece hoje de nossa invasão do Capitólio, nós temos no artigo 359-L do Código Penal o crime equivalente ao delito de insurreição”, afirma Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
O dispositivo, acrescentado pela lei do Estado democrático de Direito –sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar, prevê reclusão de 4 a 8 anos para quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
Diferentemente do que fez Donald Trump após perder a eleição, estimulando a reação de manifestantes, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) emitiu sinais dúbios sobre os atos realizados no país até então. Embora a atitude seja condenável, do ponto de vista penal, a avaliação é que Bolsonaro só poderá ser responsabilizado se comprovado envolvimento direto no caso.
No caso de autoridades em Brasília, se for demonstrado que houve omissão, elas poderão responder por crime de prevaricação, com pena de até um ano e multa.
Entenda os crimes na invasão golpista:
Quais são os crimes na invasão à Esplanada dos Ministérios?
Especialistas em direito penal apontam violações previstas pela lei do Estado democrático de Direito -sancionada em 2021. Uma análise comum é de que os manifestantes poderão responder pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. A pena é de 4 a 8 anos. A punição pode ser ainda maior, caso tenham sido cometidos outros crimes.
“Poderia pensar na hipótese de restrição, prevista nesse artigo, porque com a depredação das instalações físicas, você vai ter uma restrição a realização de sessões nos próximos dias porque a depredação foi bastante grande”, afirma o professor Diego Nunes (UFSC).
A advogada criminalista Flávia Rahal afirma que a caracterização é possível pela invasão dos prédios públicos, depredação e pelo simbolismo dos espaços ocupados. “Há uma mensagem clara que é atentatória da democracia”, diz.
Outros especialistas consideram que é possível ir além e caracterizar a invasão como crime de golpe de Estado, definido como a tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A pena pode chegar a 12 anos e aumentar caso tenham sido cometidos outros delitos.
“Essa invasão fere cada um dos brasileiros e brasileiras, porque fere as instituições do Estado democrático de Direito. As pessoas que fizeram devem ser processadas e, em flagrante, presas”, afirma o professor de direito processual penal da PUC-SP Cláudio Langroiva.
Para ele, o que aconteceu em Brasília não pode ser enquadrado como manifestação crítica aos Poderes.
Há um dispositivo no texto que afirma que não é crime “a manifestação crítica aos Poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
“Não estamos falando de manifestações políticas, pacíficas, greves ou manifestações de qualquer natureza. É uma manifestação violenta, com uso de arma e ameaça às pessoas”, diz Langroiva.
Para Lênio Streck, professor da Unisinos (RS) e um dos autores da nova lei, o artigo pode ser aplicado contra líderes e organizadores da invasão.
Além dessas condutas, também é apontado o crime de dano e incitação ao crime, previstos no Código Penal. A advogada criminalista e professora da FGV-Direito São Paulo Raquel Scalcon cita ainda a possibilidade de responsabilização a partir da lei 12.850 de 2013, sobre organizações criminosas. Ela reforça que a prisão em flagrante é possível tanto durante como depois dos crimes.
No caso das autoridades que se omitiram, qual é a responsabilização possível?
Caso fique comprovado que houve omissão por parte das autoridades responsáveis, Langroiva afirma que ficaria caracterizado o crime de prevaricação. Definido como retardar ou deixar de agir para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, o delito tem penal de até um ano, além de multa.
Para o advogado Alexandre Wunderlich, professor do IDP, em Brasília, e da PUC do Rio Grande do Sul, a postura das autoridades no episódio deve ser investigada, assim como o financiamento e a organização do ataque à democracia.
“O mais grave é que aparentemente [a invasão] pode ter ocorrido conivência de órgãos policiais, o que impõe pronta investigação.
As condutas afetam as instituições democráticas no seu funcionamento e regularidade”, diz ele, que é autor do livro “Crime Político, Segurança Nacional e Terrorismo”.
Bolsonaro pode ser responsabilizado pela invasão?
O ex-presidente pode ser responsabilizado caso exista provas de seu envolvimento na invasão golpista.
“A responsabilidade criminal depende de se comprovar que tenha de algum modo contribuído: financiando, instigando, orquestrando. Ademais, se ele estava ainda no Poder e nada fez para impedir, também aqui poderia haver responsabilidade criminal pela omissão”, afirma Raquel Scalcon (FGV).
Diego Werneck, professor do Insper, considera que Bolsonaro deveria ter sofrido impeachment por incitar as pessoas contra as instituições ao longo do mandato.
“Agora que saiu do cargo, os instrumentos e critérios para apurar responsabilidade são outros. No mínimo, se entendermos que o que ocorreu hoje em Brasília foi crime, seria necessário discutir a responsabilidade penal de Bolsonaro por ter incitado”, diz.
Por FolhaPress