Quem comprou terreno irregular até 22 de dezembro de 2016 vai poder ficar com ele sem participar de licitação, pagando pela área nua
Nesta quinta-feira, o governador Rodrigo Rollemberg assina dois decretos voltados para situação fundiária do Distrito Federal. Um trata da regulamentação da venda direta de condomínios para lotes ocupados e outra regulamenta o Certificado de Regularização Fundiária no DF. A cerimônia ocorrerá no Salão Nobre do Palácio do Buriti.
O primeiro passo do processo de venda direta dos terrenos dos condomínios para moradores será o cadastramento. Os interessados deverão comprovar que ocupavam o lote até 22 de dezembro de 2016 e não podem ter outra propriedade residencial no Distrito Federal. Após isso, será feita a avaliação do imóvel e a venda direta.
A previsão é que até 1º de junho, o Congresso Nacional vote a proposta que deve remodelar o sistema de regularização fundiária urbana e rural. Ontem, a Comissão Mista responsável pela avaliação do projeto aprovou, por 16 votos a 4, o relatório do senador Romero Jucá (PMDB-RR) relativo às 722 emendas apresentadas à Medida Provisória, sancionada pelo presidente Michel Temer em dezembro de 2016. Algumas alterações previstas afetam diretamente o Distrito Federal, onde 22,15% dos domicílios estão em terrenos irregulares. Entre uma das medidas, a proposição permite que quem adquiriu, até 22 de dezembro do ano passado, lotes em condomínios irregulares, localizados áreas públicas, e os mantêm desocupados, também terá o direito de se tornar o legítimo detentor do terreno. A regularização dispensará o processo licitatório — a negociação ocorrerá diretamente com a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap).
Em aspectos financeiros, se aprovado, o projeto de lei de conversão determina que, do cálculo da venda, abata-se o montante relativo à valorização das terras decorrente de benfeitorias. Ou seja, será avaliado como a disposição de esgoto, o asfaltamento das vias e demais serviços de infraestrutura afetam a cotação do terreno, por exemplo. Ademais, fica vedado ao GDF o repasse de terras por valores superiores àqueles cobrados pela Secretaria de Patrimônio da União. Assim, se a Terracap recebe uma área pelo custeio de R$ 100 mil, não poderá vendê-la por R$ 250 mil.
A proposta ainda garante que os ocupantes de terrenos irregulares do DF que pertencem à União possam apresentar à Secretaria de Patrimônio uma Proposta de Manifestação de Aquisição, para formalizar o interesse pelo imóvel. O documento deverá conter, junto à identificação do terreno e do dono, a comprovação do período de ocupação; comprovantes de pagamentos de taxas; avaliação da casa e das benfeitorias e proposta da quitação. A regulamentação também permite que mais de uma unidade habitacional seja construída no mesmo terreno. Portanto, quem mora no primeiro andar teria um registro e quem mora no segundo, outro. Por fim, o dono das terras poderá vender a outra pessoa o direito de construção de uma laje no imóvel, desde que a legislação urbanística da cidade e o projeto do imóvel prevejam e permitam a construção.
Para o professor de direito privado da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Henrique Viegas, a nova legislação trará benefícios para a situação de terrenos irregulares na capital. “Em termos de regularização fundiária, o projeto apresenta situações adversas que, se não foram desenhadas para o DF, adequam-se perfeitamente ao cenário local”, destaca. Ele classifica a regulamentação como positiva, pois permite a áreas já consolidadas, como condomínios, a total regularização. “Se, de fato, o governo colocá-la em prática, vai conseguir atingir bons resultados.” Viegas ressalta ainda que a medida pode regularizar 85% dos imóveis em áreas públicas no DF. “Continuam impossibilitados aqueles localizados em áreas de preservação ambiental ou em locais que nunca poderiam ser ocupados”, explica.
Planejamento
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF) pensa diferente. “É uma matéria que vem sendo motivo de lutas de movimentos sociais, de litígios, com duração de, no mínimo, 46 anos de trabalhos. O primeiro ponto que se pode enfatizar é que uma MP que trata de temas tão sensíveis e revoga uma legislação existente de toda uma década de trabalhos não foi debatida com o tempo suficiente”, aponta o presidente da instituição, Célio Melis Júnior. Para ele, a medida não só interfere na questão urbana como no agronegócio. “Quando se promete a regularização fundiária baseada na titulação, isso vem contra o planejamento urbano. Não se pensa na formação de cidades”.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios também é contra a MP. De acordo com nota técnica emitida pelo órgão, a norma não exclui dos beneficiários pessoas que tomaram os terrenos de forma violenta, clandestina, precária ou de má-fé. “A nova regra premia indivíduos que infringiram a lei e alimenta a cultura da regularização, que tolera e incentiva situações ilegais”, destaca o texto. Já a Terracap respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que não se manifestará sobre o assunto até que a votação seja concluída no Congresso Nacional.