No Cinema Mudo, como o nome já diz, não se ouviam os diálogos dos atores. Era com a presença de músicos nos locais de exibição dos filmes que a trilha sonora ditava a intensidade das cenas e ajudava no desenvolvimento do roteiro. Com o tempo, as vozes dos atores puderam ser gravadas e incorporadas ao filme, e os instrumentos musicais saíram de cena, dando lugar à trilha gravada, como vemos nos cinemas até hoje.
Uma experiência, no entanto, vai misturar esses dois momentos nesta semana, e o público vai poder se envolver, ao som de uma orquestra, com a história de um filme nacional consagrado por sua história e também por sua comovente trilha sonora: Central do Brasil.
Nesta quarta (2) e quinta-feira (3), o clássico do cinema brasileiro vai ser assistido com a sua trilha incidental, que são músicas compostas especialmente para o filme pelos músicos Jaques Morelenbaum e Antônio Pinto, executadas ao vivo pela Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES), no Teatro Riachuelo, no Passeio, centro do Rio.
O maestro Alexey Kurkdjian Ogalla, que vai reger a OPES no Cine Concerto Central do Brasil, disse que este formato de concerto tem sido muito apresentado no exterior e atrai bastante o público, tanto o fã e apreciador da música sinfônica de orquestra, quanto um público que ainda não está tão familiarizado com concerto sinfônico, mas que é fã de cinema.
“Isso acaba atraindo esses dois públicos e formando um público ainda maior. É muito interessante. Aqui no Brasil, essa forma de espetáculo está começando a ficar mais popular”, completou em entrevista à Agência Brasil. “É um resgate de uma tradição que se foi”;
De acordo com o maestro, o público tem gostado e comparecido à série de cine concertos que tem a curadoria de Anselmo Mancini, apresentados pelo Brasil e também em Portugal.
“Essa é a minha estreia como regente convidado e não consigo encontrar palavras para expressar a minha alegria e como me sinto honrado em ter sido chamado para este espetáculo, ainda mais sendo uma orquestra a que eu cresci, praticamente, assistindo. Considero uma coroação na minha carreira reger a Petrobras Sinfônica neste momento e neste Cine Concerto”, revelou.
Segundo o maestro, esse é um desafio ainda maior porque é necessário executar a trilha do filme no mesmo instante em que ele está sendo exibido.
“É um processo que exige o dobro de atenção e de cuidado no preparo de todo esse material. A sensação é maravilhosa. Sou muito fã de cinema desde pequeno. Tenho ator e diretor na família. Então, é uma coisa que já vem de casa e sempre fui muito fã de trilha sonora também. Juntar essas duas coisas é um prazer maravilhoso. É uma experiência maravilhosa, tanto para mim, que sou regente, quanto, com certeza, para os músicos”, relatou, destacando que os compositores da triha sonora tocarão junto com a orquestra.
Trilha sonora comovente
O fato de o filme ser Central do Brasil torna a apresentação ainda mais emocionante. “É um filme que exige, que tem uma trilha sonora muito tocante e dramática, muito bonita e com um toque do minimalismo. Traz também alguma coisa da tradicional música brasileira. A gente tem duas vertentes. Tem um pouco da música clássica contemporânea e da música tradicional brasileira. O filme é uma obra de arte e merece todo o cuidado e preparo. É tudo muito delicado. Entre todos os Cine Concertos que eu conheço esse é um dos mais tocantes, emocionantes”, analisou.
O curador do espetáculo, Anselmo Mancini, teve contato com este modelo de apresentação quando morava fora do Brasil e, desde o seu retorno ao país, começou a desenvolver projetos nesse sentido. Ele conta que tem conseguido tanto sucesso com a iniciativa que, este mesmo concerto, com o filme Central do Brasil, foi executado no Festival Mate, em Coimbra, em Portugal.
A escolha do teatro não podia ser melhor, acredita a porta-voz do Teatro Riachuelo, Aniela Jordan. O prédio em que o teatro funciona abrigou o Cine Palácio, fechado em 2008. Depois de uma obra de dois anos, a casa foi reaberta em 2016. “É um espaço tombado, e a gente teve que fazer tudo dentro das normas do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]. É um teatro que prima pela qualidade, o que faz com que hoje, oito anos depois de inaugurado, o público venha, porque, mesmo que não saiba o que vai assistir, sabe que é alguma coisa de qualidade. O teatro conquistou esse lugar”, afirmou à reportagem.
Aniela também contou ter memórias afetivas ligadas ao antigo Cine Palácio, incluindo uma coincidência. “É uma volta às origens. Ele foi um cinema muito tradicional, eu, inclusive assisti a Noviça Rebelde, quando tinha 5 anos de idade, neste cinema e depois, no ano passado, eu produzi o musical Noviça Rebelde aqui”.
Para o diretor de Projetos da Orquestra Petrobras Sinfônica, Marcos Souza, a narrativa do filme “cresce absurdamente” com a participação dos compositores Jaques Morelenbaum e Antônio Pinto, mostrando, ao vivo, a trilha sonora que foi pensada exclusivamente para cada cena.
“Estar com os compositores no palco, que pensaram aquela música como uma narrativa que super funcionou, e vendo o filme com a orquestra tocando na hora, é muito mais emocionante. É como se estivesse dentro do filme. Para a gente, vai ser muito emocionante. O Central do Brasil tem um peso muito grande, e a indicação [ao Oscar] da Fernanda Montenegro também, aliás mãe e filha [Fernanda Torres com o filme Ainda Estou Aqui]. Que dupla, e com o mesmo diretor [Walter Salles]”, analisou.
“A música tem uma narrativa, com as composições do Jaques Morelenbaum e do Antônio Pinto, pontuando cenas emblemáticas, como aquela da carta que a Fernanda Montenegro escreve para o menino. Se você ouvir a trilha no Spotify [plataforma de música] estará lá, inclusive, com a fala dela, de tão forte que ficou. Acho que a gente tem que valorizar mais o cinema brasileiro e mostrar a importância da trilha. A música é parte do audiovisual e conta uma história também. Quando uma música entra, ela prepara uma cena, te emociona, segue um ambiente. Tem muitas formas de ser usada como narrativa”, destacou.
Celebração do cinema nacional
Marcos Souza disse que a escolha do Cine Concerto com Central do Brasil foi antes desse movimento que se ampliou com a indicação do filme Ainda Estou Aqui. Quando soube da apresentação no festival de Portugal, fiz o convite a Anselmo Mancini para realizar no Rio, com a Orquestra Petrobras Sinfônica. “É um momento muito feliz de a gente compartilhar a felicidade de ter o mesmo diretor com o primeiro Oscar do Brasil. A gente está, na verdade, celebrando o cinema brasileiro, Walter Salles e as Fernandas, no palco de um cinema [na origem], com a possibilidade de o público ouvir o filme”, afirmou.
O concerto está incluído na Temporada 2025 da Orquestra Petrobras Sinfônica, que celebra 50 anos de história. A OPES foi fundada por Armando Prazeres e é uma das únicas no mundo gerida pelos próprios músicos. O maestro Isaac Karabtchevsky, que é atual diretor artístico, lidera o conjunto com a missão de aproximar o público da música de concerto.