A obra marca a última fase do artista moderno e fica em cartaz até 23 de dezembro na Caixa Cultural
Um diagnóstico de câncer e uma consequente cirurgia confinaram o pintor Henri Matisse a uma cadeira de rodas no início da década de 1940. Impossibilitado de pintar e esculpir, ele começou a produzir colagens e serigrafias. Da limitação nasceu a última fase produtiva do artista francês e um conjunto de trabalhos em papel reunidos em livro e apontados por historiadores como a transição para um novo suporte.
Intitulado Jazz, o álbum, coincidentemente, tem uma ligação especial com o Brasil: foi lançado simultaneamente em Paris e no Rio de Janeiro, em 1947. Raymundo Ottoni de Castro Maya, empresário e colecionador, comprou um exemplar que depois viria a integrar a coleção do museu Chácara do Céu e do complexo cultural que leva seu nome. São as pranchas desse álbum, considerado por críticos como Paulo Herkenhoff o mais belo livro de arte já produzido, que a Caixa Cultural expõe para o público a partir de hoje na Galeria Vitrine.
Com tiragem de 250 exemplares, todos assinados pelo artista, Jazz traz ainda escritos do próprio Matisse sobre o processo de criação do trabalho. Produzido com a técnica pochoir, uma espécie de estêncil, o livro reúne 20 serigrafias nascidas de colagens e desenhos nos quais o artista explora, principalmente, a temática das artes circenses. Em algumas das pranchas, o artista arrisca metáforas com o seu próprio fazer e algumas gravuras adentram temas mais vastos e até biográfico.
Memórias de sua passagem pelo Taiti na década de 1930 estão em composições como O lago, e temas como morte, amor e destino também aparecem nas reflexões pictóricas do francês. Mas é em personagens do circo que ele concentra o olhar. O atirador de facas, o palhaço, o engolidor de espadas, o cowboy, o elefante branco e até a queda de Ícaro estão entre os representados nas gravuras, além do funeral do Pierrot.
Estilo
Quando Henri Matisse concluiu a produção das colagens e desenhos de Jazz, em 1947, pensou em chamar o conjunto de “circo”. Foram mais de três anos debruçados nas composições em busca de uma nova expressão construída com papéis coloridos recortados e desenhos. Mas seu editor, Teriáde, também crítico de arte e historiador, sugeriu o título que evoca o gênero musical. Não que o artista fosse conhecido por apreciar o estilo, mas a maneira como trabalhava lembrou ao editor algumas particularidades do jazz, como o improviso, as variações sobre um tema e a modernidade representada pelo gênero então nascente.
“Para Matisse, o resultado começou a se aproximar do ritmo do jazz, tem um tema e ele, de repente, desvia, e há divagações que voltam. Isso acontece no livro, no texto e nas imagens”, explica Ana Paola Batista, curadora da exposição e do Museu Chácara do Céu, ao qual pertence a obra. No texto que acompanha as imagens, Matisse reflete sobre a própria criação.
Com uma coerência pontuada por início, meio e fim, ele faz observações sobre os temas escolhidos, conta histórias, divaga e até descreve as atividades de alguns dos personagens. “É uma coletânea de pensamentos e reflexões e tem o ritmo de vai e vem. As imagens são muito movimentadas e lembravam a ele os sons de do jazz”, conta Ana Paola. “Ele associava o jazz à modernidade. É uma coisa que faz um paralelo com as artes plásticas modernas, a questão de uma certa quebra de regras. A arte moderna quebra as regras das artes plásticas, o jazz quebra as regras da música tradicional. E isso faz um eco para Matisse.”
SERVIÇO
Henri Matisse — Jazz
Serigrafias de Henri Matisse. Visitação até 23 de dezembro, de terça a domingo, das 9h às 21h, na Caixa Cultural (SBS Quadra 4 Lotes 3/4 Edifício anexo à matriz da Caixa)