Artista foi ícone da abstração brasileira e explorou seus talentos em gravuras e esculturas
Todos os anos, uma equipe de curadores do Instituto Tomie Ohtake se debruça sobre o acervo da artista com o objetivo de encontrar ali novas leituras. A ideia é conseguir extrair novos olhares e significados de uma das coleções de arte abstrata mais importantes do país. É uma forma de manter dinâmica a linguagem desenvolvida por Tomie e uma tentativa de, a cada vez, atrair novos públicos. A exposição que chega a Brasília hoje é fruto desse trabalho. Com um total de 40 gravuras, cinco pinturas e três esculturas, Cor e corpo reúne obras cuja intenção é mostrar como a artista sempre trabalhou a forma integrada à cor.
Pertencentes à coleção do instituto, as obras faziam parte do acervo da própria artista e incluem serigrafias, litografias e gravuras em metal que formam um conjunto capaz de dar a dimensão de todas as linguagens usadas pela artista. Carolina de Angelis, responsável pela curadoria ao lado de Paulo Miyada, escolheu obras que permitissem um passeio por algumas das fases mais importantes de Tomie.
Foram mais de 60 anos de produção — a artista morreu em 2015, aos 101 anos — e seria necessária uma exposição muito grande para abordar todas as fases. “Não está todo esse período longo de produção na mostra, mas a gente estima que boa parte está pontuada, principalmente pelas gravuras, que é um conjunto bem consistente”, avisa a curadora.
As fases, Carolina explica, não são muito claras na trajetória de Tomie. Não há fronteiras delimitadas entre os campos de interesse e a artista costumava navegar de acordo com a pesquisa desenvolvida. “Ainda que dê para dividir a obra dela em fases, não são muito claras, não é que uma hora ela trabalhava só com a cor e aí ela abandonava inteiramente e ia fazer algo completamente diferente”, avisa Carolina.
Mas há três aspectos importantes a serem observados quando se tem diante dos olhos uma obra de Tomie Ohtake. O compromisso com a cor e o gesto são os mais evidentes. Deles, deriva a textura, muitas vezes explorada nas pinturas com misturas de tintas sobre a superfície das telas. No campo das cores, é possível notar como são dinâmicos os interesses de Tomie, ora focada na exploração de tons mais ousados, ora totalmente dedicada à gestualidade em trabalhos monocromáticos brancos.
Quando se trata do gestual, a obra de Tomie é generosa, especialmente na produção escultórica. As formas orgânicas onduladas nascidas com a ajuda de arames que a artista moldava segundo suas projeções para o espaço são linhas que flutuam no ar. “Ela sempre soube pensar o espaço. Mesmo com pinturas em grande escala. Enquanto ela transforma o gesto em objeto, ela também pensa em como isso ocupa o espaço, como as pessoas vão circular por isso, como vão interagir”, diz a curadora.
Os mesmos círculos, tão caros à cultura oriental e tão presentes nos quadros, tomam forma no processo escultórico em grande escala. O gesto ganha uma tridimensionalidade quase lírica, sempre muito orgânica, e é possível imaginar como a artista idealizou a leveza e a presença humana em torno da obra. “É o mesmo gesto que a gente vai encontrar entre as pinturas, isso é muito especial da produção da Tomie”, explica Carolina.
O lugar de Tomie Ohtake na arte brasileira não é apenas o de destaque no abstracionismo ou o de nome expressivo na comunidade de artistas de origem japonesa que produziram na cena artística de São Paulo. Tomie já passava dos 40 anos quando decidiu se tornar artista. Foi depois de criar os dois filhos e cuidar da casa por décadas que ela achou estar na hora de seguir uma profissão. E não escolheu uma profissão comum ou óbvia. Foi logo para a pintura, desafiando convenções sociais bastante conservadoras naqueles anos 1950.
Também era uma figura agregadora, em volta da qual flutuavam grupos de artistas. Tomie nunca se filiou a nenhum movimento, nem mesmo ao abstracionismo ou ao concretismo da época, mas bebeu em todos eles com bastante liberdade. Essa independência está refletida na maneira como ela encara o movimento, a cor e o gesto nas obras em exposição em Brasília.
Cor e Corpo
Exposição de Tomie Ohtake. Abertura hoje, às 19h, na Caixa Cultural Brasília (Galeria Principal – Setor Bancário Sul, QD 04). Visitação até 4 de março, de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca.