Com as eleições às portas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá um novo presidente a partir de terça-feira. O ministro Edson Fachin assume o comando da Corte numa espécie de mandato-relâmpago, pois entrega o cargo, em agosto, para o ministro Alexandre de Moraes.
Considerado discreto e sereno, Fachin tem mostrado pulso firme diante dos sucessivos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Judiciário, em especial ao TSE. O chefe do Executivo, rotineiramente, coloca em dúvida a lisura e a segurança das urnas eletrônicas.
Também acusa Fachin, Moraes e o atual presidente do TSE, Luís Roberto Barroso de querer torná-lo inelegível na “base da canetada” para favorecer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas de intenção de voto para outubro.
O magistrado mandou uma série de recados ao chefe do Executivo e a seus apoiadores, afirmando que vai combater ameaças do populismo autoritário.
Ele conduzirá o TSE até 17 de agosto, quando completará o segundo biênio como integrante efetivo do tribunal. Um dos principais desafios será controlar a disseminação de notícias falsas contra o sistema eleitoral.
Em seu primeiro discurso à frente do TSE, na terça, deve destacar exatamente o combate à desinformação e aos ataques institucionais à Corte. Também alertará sobre os riscos de ciberataques contra o tribunal. Seguirá o mesmo tom adotado na semana passada, ao afirmar que há uma “guerra declarada” contra a segurança cibernética da Justiça Eleitoral.
Na ocasião, ele chegou a mencionar a Rússia como um “exemplo” de procedência desse tipo de investida. “Há riscos de ataques de diversas formas e origem. Tem sido dito e publicado, por exemplo, que a Rússia é um exemplo dessas procedências. O alerta quanto a isso é máximo e vem num crescendo”, declarou.
O magistrado frisou que “enfrentaremos distorções factuais e teorias conspiratórias às quais, somadas ao extremismo, tentam atingir o reconhecimento histórico e tradicional da Justiça Eleitoral”. Bolsonaro estava em Moscou na ocasião e não gostou do posicionamento do ministro.
Na semana passada, Fachin afirmou que, “como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes”. “Mas, agora, eu tenho uma mão estendida e espero reciprocidade”, enfatizou, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Natural de Rondinha (RS), Fachin é ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2015 e está atuando pelo segundo biênio no TSE. A trajetória na Justiça eleitoral, no entanto, é um pouco maior. Ele começou como ministro substituto da Corte em 2016.
Antes do Supremo, atuou como advogado, procurador jurídico, procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e procurador do estado do Paraná. Formado em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), tem mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorado no Canadá. Foi professor titular de direito civil da UFPR de 1999 até sua nomeação para o STF.
Como advogado, conquistou notoriedade no meio jurídico por novas teses envolvendo direito civil e de família, áreas nas quais se especializou. O escritório que fundou atua em conflitos empresariais e envolvem sucessões, especialmente por arbitragem e mediação, formas alternativas de solução em que se busca evitar que a causa chegue ao Judiciário.
Sabatina
Para a vaga ao Supremo, Fachin enfrentou uma das mais longas e duras sabatinas no Senado. Foram 11 horas de audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ele foi aprovado por 20 votos favoráveis e sete contrários. Ocupou a vaga deixada por Joaquim Barbosa. Na ocasião, tentou se descolar de suposto vínculo com o PT.
Na vida pessoal, Fachin é discreto, mas costuma exaltar a família sempre que tem oportunidade. Também não esconde a origem humilde e o fato de ter começado a trabalhar cedo. Na sabatina no Senado, em meio ao discurso inicial, emocionado, o então candidato à vaga do STF ressaltou, ao lembrar da infância e da adolescência, que, na opinião dele, era um sobrevivente.
Ele comentou sobre o orgulho de, antes de ingressar na carreira jurídica, ter exercido outras profissões, como vendedor de laranjas, para ajudar no sustento da família. “Não me envergonho, ao contrário, me orgulho, de ter vendido laranjas na carroça de meu avô pelas ruas onde morávamos, de ter começado como pacoteiro de uma loja de tecidos, de ter vendido passagens em uma estação rodoviária. Tive desafios muito cedo”, enfatizou, na ocasião.
À época, a indicação do jurista provocou polêmica entre integrantes de outros partidos em razão de, na campanha presidencial de 2010, ele ter aparecido num vídeo discursando durante um evento público em apoio a Dilma Rousseff, então candidata à Presidência da República pelo PT.
O ministro é relator da Operação Lava-Jato no STF, substituindo Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em janeiro de 2017. Ele também relatou ações de julgamentos importantes, como a tese do “marco temporal” na demarcação de terras indígenas no país; o processo de Bolsonaro para impedir abertura de inquéritos por iniciativa do Supremo; a ação que mantém o poder das Defensorias Públicas de requisitar documentos de autoridades; e a limitação de propagandas eleitorais em jornais impressos.
Alinhamento
Para o cientista político e sociólogo Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fachin usará o temperamento de professor para conduzir o TSE. “Ele tem serenidade, firmeza e um lastro teórico muito grande. Será conciliador no trato pessoal, mas sempre com um lastro técnico, teórico”, diz. “É um ministro tranquilo em relação a como gerir um tribunal. Ele mostra esse estilo ao longo de sua carreira como professor universitário.”
Baía destaca o perfil conciliador do magistrado em um período de tensão máxima. “Será de grande provocação de vários lados, que vai exigir muita serenidade do presidente do TSE”, aponta.
Na avaliação do advogado constitucionalista e cientista político Nauê Bernardo de Azevedo, Fachin deve manter a linha adotada até o momento na defesa da instituição, conforme fez Barroso. “É um ministro mais reservado. Carrega um perfil menos voltado para enfrentamentos públicos, mas não deixa de marcar posição em seus votos e decisões. Deve tentar manter a institucionalidade, mas com algum grau de alinhamento com Barroso (seu antecessor) e Moraes (seu sucessor)”, afirma.
De acordo com o cientista político Tiago Valenciano, a expectativa é de que Fachin siga com a ostensiva diante de Bolsonaro. “A tônica do TSE daqui para frente deve ser a de combate às fake news, pela garantia do sistema eleitoral, de eleições limpas, mas, sobretudo, de um pleito justo e que preserve todos os candidatos, na confiança plena de que o TSE fará seu trabalho adequado”, frisa.
A posse de Fachin está marcada para as 19h. Na cerimônia, Moraes assumirá a vice-presidência. Ambos foram eleitos para os cargos por meio de votação em urna eletrônica, em 17 de dezembro do ano passado. A cerimônia também marcará a despedida do ministro Luís Roberto Barroso, que está à frente do TSE desde maio de 2020.
Fonte: Correio Braziliense