Entidades que lutam pelos direitos das mulheres classificaram como um retrocesso o Estatuto do Nascituro, aprovado anteontem em uma comissão da Câmara. Já os grupos religiosos elogiam a proposta, que prevê ajuda financeira às mulheres vítimas de estupro que optarem por não fazer o aborto permitido por lei. Integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Lúcia Rincón disse que, desde a aprovação da medida, os grupos feministas começaram a se articular numa tentativa de pressionar pela rejeição da proposta, conhecida como “bolsa estupro”.
– O direito da mulher para decidir sobre seu próprio corpo é ignorado neste processo. Ela é tratada de forma cruel quando precisa conviver com o agressor, porque a proposta prevê a possibilidade de reconhecimento (do filho por parte do estuprador). O criminoso deixaria de ser agressor para ser genitor – disse Lúcia , afirmando que as entidades poderão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso o projeto de lei seja aprovado, por considerá-lo inconstitucional.
O conselho, formado por representantes da sociedade e do governo, é presidido pela ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci. Em nota divulgada ontem, o grupo diz que “o Estatuto do Nascituro viola os direitos das mulheres e descumpre preceitos constitucionais de previsão e indicação de fonte orçamentária”. A proposta foi aprovada na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara porque depende de uma adequação financeira. Seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
“É lamentável que as mulheres sejam, mais uma vez, vítimas da legitimação da violência perpetrada contra elas. O projeto dificulta o acesso das mulheres aos serviços de aborto previsto em lei, nos casos de risco de vida à gestante, estupro e gravidez de feto anencéfalo. Por considerar o referido projeto um retrocesso em relação aos direitos humanos das mulheres brasileiras, conquistados na trajetória de construção de uma sociedade de igualdade e justiça social, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher continuará seu trabalho de informação e de esclarecimento junto a parlamentares e à sociedade”, diz a nota.
Petição online tem 64 mil assinaturas
Segundo o projeto de lei, o nascituro concebido em um ato de violência sexual terá prioridade na assistência pré-natal e na hora da adoção. A mulher estuprada terá acompanhamento psicológico e ajuda com despesas de saúde e educação da criança.
– Deveriam usar esses recursos para promover direitos e em prevenção, por exemplo – afirma a socióloga Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA).
Um dos vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Henrique Afonso (PV-AC), declarou que a aprovação do estatuto é uma vitória porque, entre outras coisas, reconhece que a vida começa com a concepção e dá direitos ao feto. Ele protestou contra as pessoas que usam o termo “bolsa estupro” para se referir ao projeto:
– Para nós, é a bolsa vida, porque está garantindo a vida do bebê. Estamos garantindo a proteção do Estado às mulheres que querem ter o bebê.
Uma petição online contra o Estatuto do Nascituro contava com 64 mil assinaturas até as 20h de ontem. Na última terça-feira, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promoveu em Brasília uma marcha a favor da aprovação do projeto.