Ausência do presidente se tornou fermento para as vaidades de integrantes do governo. Bolsonaro está internado há duas semanas por causa de uma cirurgia
Fora de combate há quase duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro terá que lidar na volta a Brasília com um governo fragmentado em ilhas de poder sem conexão e com agendas próprias. Paralelamente, tem causado incômodo ao núcleo familiar e a conselheiros de Bolsonaro a movimentação do vice, general Hamilton Mourão, que busca ocupar espaços no governo, levantando nos corredores do palácio presidencial teorias da conspiração das mais diversas.
Saturação de pautas governistas no Congresso motivadas por agendas próprias, divergências entre ministros sobre as eleições na Câmara e no Senado e sobre a melhor proposta de reforma da Previdência, além de um vice atuante, expuseram essas dissonâncias.
“A ausência do presidente é um fermento para vaidades. Tem gente que quer mais poder e vai digladiar por agendas que acredita serem prioritárias”, avalia o cientista político e professor da Universidade Católica de Brasília, Creomar de Souza. “A dissonância de estratégias dentro do governo é nítida. Falta lapidação.”
A Bloomberg conversou na última semana com uma dúzia de integrantes do alto escalão do Palácio do Planalto e dos ministérios confirmando a percepção de que o governo está desagregado – com exceção da tragédia causada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, onde houve uma força-tarefa que uniu a Esplanada.
Três dos mais importantes ministros de Bolsonaro, Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), e Onyx Lorenzoni (Casa Civil), protagonizaram eventos na ultima segunda-feira que levaram a uma saturação da pauta do governo, apontando para uma falta de estratégia e de um fio condutor das ações.
Moro apresentava um pacote anticrime, enquanto Onyx chegava ao Congresso para entregar mensagem de Bolsonaro das prioridades do governo. Ao mesmo tempo, Guedes explicava em outra região de Brasília pontos da reforma da Previdência.
As pautas de Moro e de Guedes concorrem em prioridade no Congresso e uma pode atrapalhar a outra na busca de votos. Presidentes de dois partidos alinhados ao governo disseram à Bloomberg sob condição de anonimato que o pacote anticrime ofusca e dispersa o debate da Previdência entre os congressistas.
“As duas pautas são importantes para o Brasil, mas eu compreendo que a reforma da Previdência é urgente e prioritária para o Senado e para a Câmara. Elas vão tramitar, mas meu sentimento é que parlamentares estão priorizando a Previdência”, disse na quarta-feira o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
“Os nichos de poder são muito evidentes na gestão Bolsonaro. O governo está vivendo um momento de conflito, confusão e acomodação”, avalia o cientista político e diretor do Instituto de Ciência Política da UnB, Paulo Calmon.
Outro exemplo de dissonância interna foi percebido nas eleições a presidente da Câmara e do Senado e no decreto que flexibilizou a posse de armas. Nas disputas no Congresso, Guedes e Onyx tinham candidatos diferentes. Quanto às armas, promessa de campanha de Bolsonaro, ele desprezou sugestões de Moro. Guedes, Mourão e Onyx também divergiram publicamente sobre a fórmula de adoção da idade mínima para aposentadoria.
Entre a viagem à Suíça para o Fórum Econômico de Davos e a recuperação pós-cirúrgica no hospital Albert Einstein, Bolsonaro passou metade dos primeiros 40 dias como presidente fora de seu gabinete. Enquanto isso, Mourão manteve uma agenda intensa de compromissos e instalou um inédito comitê de imprensa próximo à sua sala no prédio anexo, no subsolo do Planalto, dando vários briefings por dia com comentários sobre questões do aborto às reformas econômicas.
A movimentação do vice foi o suficiente para irritar dois dos maiores gurus da turma de Bolsonaro. Olavo de Carvalho e Steve Bannon passaram a detoná-lo em entrevistas e nas redes sociais. Mourão respondeu aos ataques publicamente com bom-humor: “Eu sou um cara legal, pô”, declarou a jornalistas.
Pessoas próximas a Mourão atribuem os ataques de bolsonaristas a uma visão infantil de que ele quer ocupar o espaço do presidente e a um desnível intelectual evidente entre o presidente e seus ministros técnicos e militares, entre eles, o vice.
A expectativa no Planalto é com a volta de Bolsonaro a Brasília (ainda sem data porque ele segue internado em São Paulo se recuperando de uma cirurgia) e com o papel de líder que terá dali para frente. De volta ao combate, espera-se que ele tenha a capacidade de amalgamar frentes fragmentadas de poder e de dissipar teorias de que num governo de superministros e de um vice atuante não se imponha como um estadista.
Fonte Exame